“Quanto mais te cavo, e em ti me aprofundo,
mais descubro que em ti não há fundo”. Henrik Ibsen.
O que pode ser muito pior do
que a corrupção, esse câncer financeiro e moral que tanto dano causa ao país?
Que obra nefasta sepulta mais oportunidades, desemprega mais, afasta maior
número de investidores, e desqualifica a educação tanto quanto, ou ainda mais
do que os desvios de finalidade a que é submetida?
Refiro-me
à irresponsabilidade fiscal. Ela é companheira de um setor público que se
agigantou sobre os ombros da sociedade. Aliás, o Estado brasileiro não leu
Esopo e sacrifica, todo dia, poedeiras de ovos de ouro. Nos altiplanos na
pátria, os poderes de Estado se expandem incessantemente, acumulando uma casca
sobre a outra, qual cebola, como talvez a descrevesse Ibsen com a analogia da
frase em epígrafe.
Os números da corrupção vão dos milhares
de reais aos bilhões de reais. É dentro dos limites bem amplos dessa escala que
eles podem ser contados. Já os números do gasto público financiado com endividamento
se medem em trilhões de reais. Se amortizados, como deveriam ser, consumiriam
metade do orçamento da União; se rolados, custam a cada virada de folhinha,
centenas de bilhões de reais. Todo ano, fazem sumir valor muito superior ao da
corrupção acumulada em muito tempo.
Uma face visível desse monstro pode ser
apreciada nas 12 mil obras paradas (metade das quais sob responsabilidade da
União). Mas há outra, mais pérfida, que se expressa na indigência, no abandono
e na miséria a que vivem submetidos dezenas de milhões de brasileiros que
deveriam ocupar o foco da atenção desse mesmo Estado, desse mesmo setor
público. Isso é injustiça que dói na pele da mais tosca sensibilidade.
No entanto, em que pesem os números,
chamou-me a atenção a falta de eco, por exemplo, às manifestações de uns poucos
novos congressistas por austeridade, por redução das despesas autorizadas e de
seus quadros de assessores. Os montantes assim obtidos fazem pouca cócega no
fundo em que se cava, para dizer como o poeta norueguês, mas atitude – ah, a
atitude! – elegeu Bolsonaro, mobilizou dezenas de milhões, e tem poderoso
efeito multiplicador.
Pense na força das poderosas corporações
funcionais; pondere o modo leviano como medidas saneadoras dormem nas gavetas
de alguns ministros do STF; reflita sobre como, em tantos níveis, o Poder
Judiciário e seus órgãos auxiliares expedem determinações que envolvem gasto
público sem qualquer cobertura; imagine a barragem que desaba quando 11
ministros majoram os próprios vencimentos; avalie a facilidade com que se criam
conselhos nacionais, conselhos superiores, órgãos colegiados, agências
nacionais, que logo terão seus palácios em Brasília e extravagantes folhas de
pagamento; dê uma olhada no preço final das vinculações e isonomias; atente ao
quanto tem custado comprar apoio parlamentar mediante favores prestados com
recursos públicos; calcule os preços de deliberações parlamentares arrancadas
por lotadas galerias cujo único interesse é enviar a todos os demais a conta de
suas postulações.
Vejo no governo e vi em alguns
congressistas atitude avessa a isso. Mas falta testemunhá-la no recinto dos
grandes privilégios, no âmbito das grandes decisões. Ou seja, no luxuoso
berçário da miséria. Diante do Palácio da Alvorada, a escultura “As Iaras” (duas
mulheres puxando os próprios cabelos), talvez representem, sem querer, uma
antevisão do desespero que, por tanto tempo, se iria abateria sobre sucessivas
gerações de brasileiros.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.