Relatório
da Climate Transparency aponta que, mesmo com compromissos recentes em prol da
descarbonização e do uso de fontes limpas de energia, o grupo das 20 maiores
economias do mundo continua subsidiando o consumo de combustíveis fósseis; esse
é também a principal pedra no sapato da ação climática no Brasil
Os países do G20 continuam
tropeçando na implementação de medidas para descarbonizar suas economias.
Segundo o relatório Brown to Green, publicado hoje (14/11), 82% da
oferta de energia elétrica ainda é gerada pela queima de combustíveis fósseis
nas 20 maiores economias do mundo. O alto consumo de combustíveis fósseis é um
reflexo da continuidade dos subsídios dados pelos governos do G20 a essas
fontes.
Os subsídios aos
combustíveis fósseis são também a pedra no sapato da ação climática no Brasil.
Segundo o levantamento do Brown to Green, em 2016, os subsídios
brasileiros a fontes fósseis foram de US$ 16,2 bilhões, quase o dobro dos US$
8,6 bilhões gastos em 2007. Nessa década, os subsídios fósseis no Brasil foram
maiores que a média dos países do G20 por unidade do PIB (US$ 0,005 contra US$
0,003). O apoio governamental a esses combustíveis fósseis foi voltado para o
consumo através de suporte orçamentário direto e isenções fiscais,
especialmente o PIS/COFINS, que manteve preços fixos sobre a importação e
revenda de gasolina, diesel, querosene de aviação e gás natural ao custo de US$
8,7 bilhões em 2016.
Além do subsídio aos
combustíveis fósseis, outro problema no Brasil é a intensificação da destruição
de floresta nativa. Após uma queda de 76% na taxa de desmatamento na Amazônia
entre 2005 e 2012, o Brasil vive uma trajetória de intensificação no ritmo de
destruição florestal. Entre 2012 e 2017, a taxa de desmatamento na Amazônia
aumentou 52%, uma tendência que, se mantida, pode inviabilizar os objetivos
apresentados pelo país em sua contribuição nacionalmente determinada (NDC,
sigla em inglês) para o Acordo de Paris.
"As taxas de
desmatamento no Brasil são crescentes e os subsídios aos combustíveis fósseis
seguem aumentando, embora a participação de energia renovável na matriz
energética nacional venha aumentando e abrindo oportunidades importantes para o
país", explica Willian Wills, da Coppe/UFRJ, que também contribuiu para o
relatório Brown to Green. "O Brasil sofre grande risco de impactos
negativos que, muito provavelmente, afetarão fortemente a produção de
alimentos. Esperamos que o novo presidente mantenha a liderança do país nas
negociações climáticas e aumente a ação nacional de maneira a manter nossas
emissões em sintonia com o Acordo de Paris".
As informações levantadas
pelo relatório Brown to Green sobre as ações climáticas do Brasil estão
sintetizadas um fact-sheet disponível aqui.
O relatório Brown to
Green é a revisão anual mais abrangente da ação climática do G20 e está em
sua quarta edição. Ele foi compilado pela Climate Transparency, uma
parceria global de 14 organizações de pesquisa e ONGs em mudança do clima da
maior parte dos países do G20, muitas de economias emergentes. O relatório
parte das últimas informações sobre emissões em 2017 e cobre 80 indicadores
sobre descarbonização, políticas climáticas, financiamento e vulnerabilidade
aos impactos da mudança do clima. Ele também ranqueia os países, identificando
líderes e lanternas no G20.
"O relatório especial
do IPCC [Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudança do Clima]
sobre a meta de aquecimento de 1,5oC nos mostrou que o mundo precisa
acelerar e intensificar a ação contra a mudança do clima", aponta Jian
Kejun, do Energy Research Institute (China), um dos coautores do estudo.
"Mesmo com decisões recentes de alguns países, como o Reino Unido e a
França, de abandonar o carvão e os motores à combustão, os governos do G20
estão se esforçando pouco para descarbonizar suas economias, especialmente nos
setores de eletricidade e transporte".
Para viabilizar o limite de
elevação da temperatura média global em 1,5oC até o final deste
século com relação aos níveis pré-industriais, conforme definido pelo Acordo de
Paris, as economias do G20 precisam cortar suas emissões pela metade até 2030.
"Mas, em vez de responder à urgência da mudança do clima, as nações do G20
continuam colocado dinheiro em fatores que intensificam o processo, com
subsídios aos combustíveis fósseis, ao invés de tomar medidas climáticas
ambiciosas. Arábia Saudita, Itália, Austrália e Brasil são os países que mais
subsidiam fontes fósseis de energia em proporção aos seus respectivos
PIB", argumenta Jan Burck, da Germanwatch, outro coautor do
relatório.
A inação do G20 dificulta
bastante a transição da economia global para o baixo carbono. Isso porque, além
de reunir 90% do PIB mundial e 80% dos fluxos comerciais internacionais, o
grupo concentra cerca de 75% das emissões globais de gases de efeito estufa e
82% das emissões associadas a energia em todo o mundo. Por conta desse peso,
esses países possuem um grande peso no esforço global contra a mudança do
clima. Em três países do grupo - Arábia Saudita, Austrália e Japão - as
fontes fósseis de energia são responsáveis por 90% da oferta elétrica, com
pouca ou nenhuma mudança nesse setor nos últimos anos. Do grupo, apenas Canadá
e França conseguem arrecadar mais recursos através de esquemas de precificação
de carbono (mercado de emissões ou taxação) do que gastam com benefícios
fiscais e subsídios diretos e indiretos dados à indústria de energia fóssil.
Pior: cinco economias do G20 (Arábia Saudita, Austrália, Índia, Indonésia e
Rússia) sequer possuem planos para implementar esquemas de precificação de
carbono no futuro próximo.
"As emissões globais
precisam ter seu pico máximo já em 2020 para, a partir disso, começarem a cair
rapidamente. O relatório Brown to Green oferece uma avaliação
independente sobre o estágio em que estamos neste momento, uma informação importantíssima
para quando os países declararem suas contribuições climáticas em 2020",
afirmou Christiana Figueres, ex-secretária-executiva da Convenção-Quadro das
Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em inglês).
Principais destaques do relatório
·
Nenhuma das promessas feitas pelas
economias do G20 ao Acordo de Paris estão em linha com a meta de estabilização
do aquecimento global em 1,5˚C, e somente as promessas da Índia estão em linha
estão mais ou menos alinhadas à meta de 2˚C. O mundo segue a caminho de se
aquecer em 3,2°C. As nações do G20 precisam aproximadamente cortar pela metade
suas emissões até 2030, mas poucas têm estratégias de longo prazo para
alcançarem esta meta. A Arábia Saudita, a Austrália e a Rússia são os países
mais retardatários neste quesito.
·
No que toca à geração de eletricidade, a África
do Sul, a Austrália e a Indonésia são os países que têm as maiores intensidades
de carbono no grupo do G20 devido à grande participação dos combustíveis
fósseis no setor. Entretanto, nenhum destes países tem políticas adequadas para
o abando no do carvão, mas a África do sul recentemente publicou um plano para
reduzir seu uso de carvão. 14 países do G20 precisam ainda desenvolver um plano
para o abandono do carvão. O Canadá, a França, a Itália e o Reino Unido
definiram datas para isto, mas estes países não usam muito carvão.
·
Nenhum país do G20 tem como meta chegar a uma oferta
de energia 100% renovável até 2050. Argentina, Brasil, França, Alemanha, Japão,
África do Sul e Reino Unido são os que tiveram melhores notas para suas
políticas e metas para a energia renovável.
·
Sobre o transporte, a França, o Japão e o Reino
Unido lideram com seus planos de abandono de carros movidos a combustíveis
fósseis. Apesar das metas um tanto ambíguas, entretanto, a emissão do setor
transporte francês continuam a aumentar por conta do aumento da demanda por
mobilidade e por conta das políticas insuficientes, por exemplo, para conduzir
efetivamente a uma mudança modal do transporte de cargas. Na lanterna estão os
EUA, o Canadá e a Austrália, os quais têm as maiores emissões do transporte per
capita e também padrões para automóveis insuficientes ou não existentes para
carros.
·
A União Europeia é a única economia do G20 com um
plano para o setor de edificações compatível com a meta de 1,5˚C. Enquanto
o Canadá e a Alemanha têm as intensidades de emissão mais alta para edifícios,
ambos estes países têm metas para tornar todos os novos edifícios
autossuficientes em energia.
·
No setor industrial, a União Europeia é o único
verdadeiro líder em políticas de redução de emissões. A África do Sul, a
Rússia e a China têm a maior intensidade de emissões do setor. Vale a pena
notar que as emissões dos países desenvolvidos seriam cerca de 10-20% maiores
se fossem consideradas as emissões de bens intensivos em energia produzidos em
outros lugares.
·
Na silvicultura, a Indonésia, o Brasil e a Argentina
têm a maior perda florestal do G20 desde 1990, e nenhum mostra sinais de
reversão dessa tendência.
·
Muitos governos do G20 estão implantando políticas
para tornar o sistema financeiro mais verde e para redirecionar as finanças
para um desenvolvimento de baixo carbono resiliente às mudanças
climáticas. No entanto, poucos aderiram a esses planos verdes com a
eliminação ou redirecionamento sistemático do financiamento “marrom”.
·
Os gastos com subsídios aos combustíveis fósseis
aumentaram de US$ 75 bilhões para US$ 147 bilhões entre 2007 e 2016, mas caíram
de 2015 para 2016, apesar de uma resolução de longa data indicando que o G20
deve se livrar destes subsídios. Os países do G20 gastaram uma média de
US$ 91 bilhões em projetos de combustíveis fósseis entre 2013 e 2015.
·
Somente o Canadá e a França arrecadaram mais recursos
com sistemas de precificação de emissões em 2017 do que gastaram com subsídios
aos combustíveis fósseis em 2016. Os esquemas de precificação de carbono do
Canadá estão sob desafio legal em várias províncias.