Segundo levantamento realizado pelo Ministério da Saúde, apenas no primeiro
semestre deste ano a cidade de São Paulo registrou 1.384 notificações de casos
de violência sexual. Diante de um número tão alarmante, a sociedade deve estar
preparada, em todos os seus segmentos, para acolhê-las.
Além do trauma gerado pela violência, há também os riscos de se contrair
doenças sexualmente transmissíveis ou uma gravidez indesejada. É aí que entra o
ginecologista, profissional que terá um papel muito importante a desempenhar
diante dessa situação.
“O ginecologista deve acolher a mulher não como médico e, sim, como ser humano.
A vítima deve relatar ao profissional o ocorrido. Muitas mulheres têm
dificuldades de conversar sobre o que aconteceu e nós devemos respeitar esse
momento difícil. Porém, é necessário que se estabeleça uma conversa, pois isso
ajudará a evitar algum problema que ela possa vir a ter”, explica a
ginecologista Daniela Yela, professora na Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp) e membro da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São
Paulo (SOGESP).
No primeiro atendimento, o médico prescreve à paciente medicações que previnam
as DST’s, sendo que, nesses casos, as doenças mais comuns são as hepatites, HIV
e sífilis. Além disso, algumas mulheres podem apresentar outros tipos de
problemas como a doença inflamatória pélvica. Para evitar uma gravidez
indesejada, a recomendação imediata é usar a pílula do dia seguinte.
“O profissional também poderá recolher o material biológico do agressor,
que será armazenado e utilizado como prova caso seja solicitado pela Justiça.
Em seguida, a paciente será submetida aos exames de rotina e a um
acompanhamento sorológico, que deve durar por seis meses. Esse acompanhamento
pode fazer com que as mulheres se sintam um pouco recuperadas da situação que
vivenciaram”, comenta Yela.
A especialista destaca que, para atender as mulheres vítimas de abuso sexual, o
ideal é que os serviços ofereçam equipes multidisciplinares. “Nosso papel é
oferecer todo tipo de apoio que essas mulheres fragilizadas necessitem, assim
como psicólogos e assistentes sociais, que irão encaminhá-las aos serviços de
proteção à mulher que dispõem de advogados. Além disso, algumas também podem
sofrer de transtornos pós-traumáticos e apresentar quadros graves, que precisem
de medicação. Nesses casos, recorre-se aos psiquiatras”, orienta a
ginecologista.
Quando ocorre gravidez, a mulher tem três opções: levar a gestação adiante e
ficar com a criança, dar o bebê para adoção ou realizar aborto. Daniela Yela
ressalta que, ainda que caiba aos ginecologistas orientar sobre a melhor
solução, apenas a paciente poderá tomar a decisão final. “Se ela decidir
abortar, é um direito dela como vítima de abuso sexual. Nesses casos, é
recomendado que se faça a interrupção da gestação até a 20ª semana, mais ou menos
até os cinco meses. Depois disso, é contraindicado pelo risco elevado de morte
para a mulher.”
Relacionado a este assunto, no começo de novembro a Comissão Especial da Câmara
dos Deputados votou a PEC 181/2015, e o texto que será levado ao plenário para
votação defende a criminalização do aborto em todos os casos. Para Daniela
Yela, a decisão significa um grave retrocesso.
“Particularmente, eu acho que o aborto deve ser utilizado em situações de risco
à saúde da mãe. Sou contra essa determinação, principalmente porque as mulheres
irão continuar abortando de forma ilegal, em clínicas clandestinas nas quais os
riscos de se contrair infecções são grandes e, dessa forma, elas ficam expostas
a graves problemas de saúde podendo, inclusive, irem a óbito. Tem de se levar
em consideração que esse tipo de gravidez não foi planejada e que ela não
ocorreu porque o casal simplesmente esqueceu de se cuidar. É algo completamente
diferente, afinal a mulher foi vítima de um crime, que gera traumas para o
resto da vida dela”, finaliza.