Uma
das consequências mais cruéis das guerras e violência étnico-religiosa que
ocorrem em vários países atualmente, além da morte de milhares de pessoas
inocentes, é o grande número de refugiados, que, em 2015, atingiu um
impressionante recorde: ao redor do mundo, quase 60 milhões de pessoas
encontram-se deslocadas por questões de conflito e perseguição. O problema, de
alta gravidade no plano humanitário, começa a ter reflexos no cenário urbano de
alguns países, em especial da Europa, principal polo de convergência das
populações que fogem em busca de sobrevivência e uma nova vida, oriundas
principalmente do Oriente Médio e da África.
Ao
analisar essas estatísticas do Alto Comissariado das Nações Unidas para
Refugiados (ACNUR), é inevitável a comparação com dados relativos à falta de
moradias, constantes de recente relatório do Programa da ONU para Assentamentos
Humanos (ONU-Habitat). No Brasil, segundo o estudo, há 33,9 milhões de
pessoas sem casa, ou seja, o equivalente a mais da metade do total de
deslocados em todo o mundo. Somente nas áreas urbanas, são 24 milhões. O
déficit de moradias em nosso país atinge 7,7 milhões de unidades, das quais 5,5
milhões nas cidades. Se o cálculo incluir residências inadequadas, ou seja, sem
infraestrutura básica, o quadro é ainda mais grave, alcançando cerca de 13
milhões de habitações. Noventa e dois por cento do déficit concentram-se nas populações
mais pobres, que não têm sequer acesso a financiamento.
Os
brasileiros sem moradia, assim como os que residem em habitações precárias, sem
água, esgoto e energia elétrica, são refugiados em sua própria pátria.
Numerosos deles não são contemplados pelas prerrogativas da cidadania
brasileira, ficando totalmente expostos a todo tipo de risco e insegurança.
Exatamente como os habitantes das nações em guerra, estão sujeitos à violência,
aqui expressa pela alta criminalidade, à carência de saúde e educação, à
ausência do Estado e à proteção deste, à qual, em tese, tem direito todo
cidadão. Não são muito diferentes os riscos a que estão submetidas as famílias,
as crianças e os idosos residentes numa área conflagrada da Síria ou nas
chamadas comunidades sem lei existentes nas grandes metrópoles brasileiras.
A comparação é importante para demonstrar, sem qualquer exagero, a gravidade da
falta de moradias e/ou de habitações adequadas, um problema que relega milhões
de pessoas à própria sorte em nosso país. A incipiência de políticas públicas
no setor da habitação cria um imenso contingente de refugiados brasileiros nas
áreas urbanas. Programas como o Minha Casa, Minha Vida e outros realizados por
governos estaduais e municipais estão muito longe de representar uma solução
efetiva para o grave problema. São importantes, mas contemplam parcela pequena
do déficit habitacional brasileiro, que se torna mais preocupante com o
crescimento demográfico e, agora, o aumento do desemprego e das dificuldades de
financiamento decorrentes da crise econômica nacional.
O
déficit de moradias é uma das mais danosas consequências de políticas públicas
equivocadas, prioridades distorcidas e má gestão do Estado. Tais distorções,
aliás, são também as causas da crise econômica gravíssima que estamos
enfrentando hoje no Brasil. Precisamos de foco e objetividade. Somos um país em
desenvolvimento, que necessita de investimentos em praticamente todas as áreas
para reduzir as disparidades socioeconômicas e promover a inclusão em larga
escala.
De
nada adianta ficarmos fazendo conferências sobre o clima, debatendo políticas
de preservação de florestas e criando restrições para o adensamento urbano, só
para exemplificar, se assistimos passivamente aos graves problemas que afetam
os brasileiros: 40 milhões de pessoas não têm acesso a agua tratada; menos de
40% da população dispõem de coleta e tratamento de esgotos; cerca de 40 milhões
estão desassistidos habitacionalmente. O cenário atual lembra-nos a célebre
frase do escritor Millor Fernandes: “Brasil, condenado à esperança”.
Luiz Augusto Pereira de Almeida - diretor da Fiabci/Brasil e diretor de Marketing da Sobloco Construtora.