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terça-feira, 7 de junho de 2016

Direito e pobreza




O New York Times, em colaboração com a Folha de São Paulo de quatro de junho, discorre sob o título "Realidade desafia leis comuns". "Comuns" porque as leis são destinadas a todos, sem exceção. Os latinos empregaram a expressão "erga omnes": a humanidade inteira está sujeita às leis, indistintamente. Aí mora a iniquidade. Fingimos que somos todos iguais. Quando de um furto famélico, uma débil luz se acende em alguns cérebros, momentaneamente, acerca da injustiça. Não é preciso dizer injustiça "social", já que toda justiça e toda injustiça são sociais.

Um Tribunal da Itália, solenemente, certamente depois de um longo, penoso e custoso processo, proclamou o que cogitações de penalistas já abordaram "ad nauseam": a Justiça deve ficar ao lado do "direito à sobrevivência", ao invés do "direito à propriedade". O acusado fora apanhado furtando um pedaço de queijo e linguiça.

Entre nós, são os "crimes famélicos". Inúmeros julgados do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal dedicaram tardes inteiras a debates sobre como caracterizá-los. Só o queijo; a linguiça não foi demais, a ponto de descaracterizá-lo?  Em geral, esses debates judiciais são demorados. Todos os magistrados querem aplacar sua consciência ou, pelo contrário, demonstrar que a lei flexível equivale ao fim da sociedade. Tema importantíssimo. Em seguida, "la nave vá". Teremos outros episódios, um pão e mortadela, entre outras essencialidades vitais.

O grande Victor Hugo, em uma obra magnífica que permaneceu desconhecida até pouco tempo (L'homme qui rit"), admirou  a forma de aplicação das leis inglesas adaptada aos costumes. O rigor da lei poderia ser afastado pelo xerife, que fazia um juízo de valor imediato sobre o fato e o infrator ou infratores. Muitas vezes, famílias inteiras, desesperadas, atacavam a propriedade alheia. O xerife compreendia e os absolvia na hora. Segundo o sistema, estava a seu alcance fazê-lo. Não prevaricava. Não era robótico. Sua opinião, no calor dos fatos, valia tanto como a de um majestoso Tribunal. Nem por isso foram abalados os pilares da sagrada propriedade inglesa e seu glorioso destino.

Em outro momento, o grande romancista fala dessa majestade do Poder Judiciário. O réu, em condições parecidas, num ambiente de arquitetura esmagadora do ego, com suas cortinas paradisíacas a combinar com a tapeçaria vermelha, recebe do homem devidamente paramentado uma sentença de absolvição. Solto de imediato, deixa célere o ambiente das pompas e, na rua, em desabalada carreira a casa do direito. O medo não arrefecera nem mesmo depois de absolvido.

Claro que o ideal seria a inexistência de sociedades injustas, sem desigualdades e fome. Não há, porém, como desenvolver o tema, o maior de todos, desde Aristóteles, num espaço de jornal. Porém, há como pensar com Victor Hugo. As "autoridades", às quais se daria um sentido amplo, desde que em sentido não punitivo, poderiam deixar de aplicar a lei repressiva, em casos de percepção imediata da inexigibilidade de outra conduta, salvo a de aquiescer conformadamente à morte. Um funcionário de supermercado, um escrivão de polícia, um policial, um delegado, poderiam limitar-se a fazer uma advertência verbal ao ladrão de uma salsicha, dar um cartão amarelo ao miserável e liberá-lo para continuar seu drama...

As estrelas continuariam a brilhar no espaço, a meta fiscal não seria descumprida, ao contrário, as despesas de um processo próprio da "loucura" de Erasmo, seriam poupadas; talvez o único ônus fosse o de promotores, juízes, desembargadores e ministros não poderem amainar suas consciências por meio de atos generosos. E a pomposidade dos edifícios judiciários perderem alguma importância no campo da imperceptível opressão da arquitetura.

Amadeu Garrido - advogado e poeta. autor do livro Universo Invisível, membro da Academia Latino-Americana de Ciências Humanas.

A importância da família no tratamento do alcoolismo





Foto: Getty Images
A dependência do álcool geralmente representa um impacto profundo em diversos aspectos da vida do indivíduo e também daqueles que estão ao seu redor. Dada a sua complexidade, é interessante que os programas de tratamento sejam multidisciplinares para atender às diversas necessidades do paciente (aspectos sociais, psicológicos, profissionais e até jurídicas, conforme demonstrado em diversos estudos), sendo mais eficaz na alteração dos padrões de comportamentos que o levam ao uso da substância, assim como seus processos cognitivos e funcionamento social.

A avaliação do paciente pode envolver diversos profissionais da saúde, como médicos clínicos e psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais, educadores físicos, assistentes sociais e enfermeiros. Quando diagnosticado, deve contar com acompanhamento a médio-longo prazo para assegurar o sucesso do tratamento, que varia de acordo com a progressão e gravidade da doença.

A abstinência deve ser a meta do tratamento, porém, por inúmeras razões esta pode não ser obtida no início nem mesmo ao longo do tempo. Apesar disso, o indivíduo ainda pode ter benefícios de permanecer no processo, com minimização dos prejuízos psicossociais, tratamento de comorbidades clínicas e psiquiátricas e outras condições ligadas à dependência. Nota-se ainda que quanto maior o número de atores envolvidos no processo (família, amigos, professores, colegas de trabalho), maiores são as chances de adesão ao tratamento e recuperação.

A família, em especial, é peça-chave tanto na prevenção do uso nocivo do álcool, como em casos em que o problema já está instalado. Inclusive, não são poucas as vezes em que o tratamento inicia-se pela família, principalmente porque o usuário de álcool não aceita seu problema, não reconhece que o uso de bebidas alcoólicas lhe traz consequências negativas ou está desmotivado para buscar ajuda.

Um acompanhamento específico e dirigido para os familiares é essencial para que possam compreender a doença e seus desdobramentos e, posteriormente, receber orientação adequada sobre a melhor forma de ajudar o ente querido e a si mesmo. Além da Orientação (ou Aconselhamento) Familiar, cujo objetivo é fornecer informações sobre a substância, orientar a família sobre como lidar com a dependência e propiciar meios para que eles se sensibilizem com o problema, há outros dois modelos frequentemente aplicados:
 
  • Terapia sistêmica: é destinada à natureza interdependente do relacionamento familiar e como essas relações influenciam (positiva ou negativamente) a doença, sob a perspectiva da família como um sistema. O foco do tratamento é intervir nos complexos padrões de relações entre os membros familiares a ponto de gerar mudanças positivas para todo o núcleo.
  • Terapia Cognitivo-Comportamental (familiar e de casal): considerando que comportamentos associados ao uso indevido de álcool podem ser reforçados por meio de interações familiares, essa abordagem tem como objetivos principais alterar comportamentos que atuam como gatilho para o uso de álcool, melhorar a comunicação de os membros da família e fortalecer e ampliar habilidades sociais.

Vale ressaltar que muitas vezes a família adoece juntamente com o dependente – fenômeno este chamado de codependência. Em termos gerais, ela é descrita como uma relação disfuncional entre o paciente e o familiar, na qual o familiar passa a se preocupar mais com o dependente do que consigo mesmo, sentindo-se dominado pelas suas necessidades e desejos. Com o tempo, esse padrão de pensamentos e comportamentos pode se tornar compulsivo e prejudicial, como se a pessoa se tornasse dependente do dependente. Nesses casos, as próprias abordagens psicoterápicas citadas acima podem auxiliar o familiar; contudo, existem grupos de ajuda mútua específicos para familiares, como é o caso do Codependentes Anônimos (CoDA) e os Grupos Familiares Al-Anon.

Em suma, a família desempenha um papel importante no tratamento da dependência do álcool, já que auxilia na aderência, permanência, na superação de dificuldades decorrentes do processo e no estabelecimento de um novo estilo de vida sem o uso do álcool. Por último, a família também pode ajudar a equipe multidisciplinar identificando mudanças comportamentais abruptas (por exemplo: isolamento, irritabilidade, labilidade do humor, prejuízo no desempenho do trabalho), que possam ser indicativos de complicações ou possíveis recaídas, as quais muitas vezes podem ser evitadas.


http://cisa.org.br/

Família e amigos têm papel fundamental na superação dos problemas associados ao consumo excessivo de álcool




O Centro de Informações sobre Saúde e Álcool – CISA, uma das principais fontes no país em relação ao binômio Saúde e Álcool, oferece dicas e orientações de como pessoas próximas podem conversar com um indíviduo que tenha problemas com o consumo excessivo de álcool para auxiliá-lo na buscar por ajuda. A família e os amigos desempenham papel muito importante na identificação dos problemas por uso de bebidas alcoólicas e, em especial, podem motivar o indivíduo a iniciar e permanecer em tratamento.

A dependência do álcool é uma doença complexa, pois ao mesmo tempo em que a pessoa enxerga os problemas gerados pelo uso e a necessidade de parar de beber, ainda há motivações para continuar bebendo. No Brasil, estima-se que 5,6% dos brasileiros apresentam transtorno relacionado ao uso do álcool, seja abuso ou dependência. Ou seja, cerca de 6% dos adultos brasileiros possuem, ao menos, um problema social ou de saúde, para si ou para terceiros, associado ao consumo nocivo de bebidas alcoólicas. Quando os problemas são mais numerosos e impactantes, o transtorno caminha para o diagnóstico de dependência ou alcoolismo. 

Para compreender a dificuldade, é necessário reconhecer que o consumo de álcool conta com uma considerável aceitação social, o que dificulta o reconhecimento de padrões de uso que podem gerar prejuízos em diferentes níveis. O êxito na ajuda oferecida ao alcoolista dependerá do grau de dependência, da consciência dos problemas que o hábito está causando e da relação de confiança estabelecida com a pessoa que se prontificou a auxiliar.  

A boa notícia é que a maioria das pessoas com transtorno por uso de álcool pode se beneficiar de alguma forma de tratamento. Pesquisas mostram que cerca de um terço das pessoas tratadas não apresentam os sintomas após um ano e muitos outros reduzem significativamente o consumo da substância, relatando menos problemas relacionados ao álcool e melhora consistente na qualidade de vida. 

O CISA apresenta algumas dicas para lidar com essa situação, mas lembre-se de que os efeitos são variáveis de acordo com cada pessoa. Por isso, o ideal é buscar ajuda de um profissional da saúde especializado para obter orientações mais adequadas a respeito do caso em questão. 

O fundamental é fazer uma aproximação afetuosa e amigável, com respeito pela pessoa, sem acusá-la ou culpá-la por seu comportamento relacionado ao uso do álcool. Uma abordagem acusatória leva a pessoa a reforçar suas defesas e negar que esteja enfrentando problemas. Observe que o simples fato de mostrar a preocupação e assegurar o apoio no processo de busca por tratamento já é muito valioso.

Antes de iniciar a conversa, verifique se a pessoa está sóbria. A conversa deve ser conduzida com calma e em ambiente com privacidade. 
Evite rodeios. Diga que está preocupado com o consumo e quer auxiliá-lo a procurar ajuda. Fundamente a conversa com exemplos de situações negativas que ocorreram com ele em função do uso do álcool. 
Trabalhe com a motivação para que a mudança seja feita por meio de uma relação amiga, mas também firme, procurando ajudá-lo a reconhecer que pode ter desenvolvido uma doença e que as pessoas não esperam que ele vá conseguir parar de beber sozinho, incentivando a busca por tratamento.  
Procure demonstrar que há um lado prejudicial desse comportamento, fazendo-o considerar os motivos que teria para continuar e os motivos para interromper o uso, com o objetivo de reforçar o desejo de mudar que o dependente tem, mesmo que de forma inconsciente. 
Uma vez que a motivação para mudança pode oscilar constantemente, a ajuda precisa estar sempre disponível. Mantenha uma relação de troca, ofereça suporte e se informe sobre as opções de tratamento.
Tenha a consciência de que mesmo com muito esforço e dedicação, a mudança será um processo difícil, demorado e permeado por dúvidas e recaídas.

Ajudar um dependente de álcool a mudar seu comportamento não é simples, mas o primeiro passo pode ser dado com a compreensão, o apoio e a disposição de fazê-lo refletir e, junto a ele, encontrar um caminho. Por isso, além de auxiliar o indivíduo, é importante que haja um acompanhamento específico e dirigido aos amigos e familiares, para que todos possam compreender a doença e seus desdobramentos e, posteriormente, receber orientação adequada sobre a melhor forma de ajudar o outro e a si mesmo. 


http://cisa.org.br/

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