Vivemos cercados de relações e elas não existem no vazio. Desde o momento em que nascemos, somos inseridos em um sistema familiar onde os primeiros vínculos moldam não apenas a nossa forma de estar no mundo, mas também o nosso modo de sentir, reagir e nos conectar com o outro. Com o passar do tempo, esse campo de vínculos se amplia: amigos, parceiros, colegas de trabalho, vizinhos. Todos fazem parte de um emaranhado que, mesmo sem percebermos, está interligado.
Segundo o conceito de “sistema”, cada família é um
sistema onde cada membro ocupa um lugar específico e desempenha um papel
importante. Os conflitos ou traumas de um único indivíduo podem reverberar por
todo o sistema. Por exemplo, uma exclusão ou até uma perda mal resolvida dentro
de uma família pode gerar comportamentos ou bloqueios em outras gerações, o que
chamamos de emaranhado sistêmico. E, muitas vezes, a manifestação de
dificuldades, doenças e/ou relacionamentos disfuncionais veem de problemas
ocultos no inconsciente do sistema.
Compreender o sistema, significa entender que não
somos seres isolados, mas profundamente conectados às nossas famílias, grupos e
à história que os compõe. Ao reconhecer essas influências, podemos trazer
clareza e abrir caminho para novas soluções na vida pessoal e coletiva.
A abordagem sistêmica é importante porque nos
convida a olhar para essas relações compreendendo que ninguém está isolado e
que todo comportamento carrega uma história, uma origem — muitas vezes marcada
por feridas emocionais e padrões que se repetem de geração em geração.
Sob a perspectiva sistêmica, quando nos deparamos
com conflitos persistentes em nossas relações — sejam familiares ou sociais — é
comum que, por trás do incômodo, existam histórias mal resolvidas, sentimentos
não expressos, segredos familiares ou papéis inconscientemente assumidos dentro
do sistema.
Padrões repetitivos, por exemplo, são um dos sinais
mais visíveis dessa herança invisível. É aquela sensação de estar vivendo o
“mesmo problema” com diferentes pessoas, ou de atrair sempre os mesmos tipos de
relacionamentos. Esses ciclos, muitas vezes, têm raízes em lealdades
inconscientes ao nosso sistema familiar — como se, ao repetir a dor dos nossos
pais ou avós, estivéssemos pertencendo, honrando ou tentando, de alguma forma,
consertar o passado.
As feridas emocionais que carregamos — como
rejeição, abandono, traição, injustiça ou humilhação — também moldam a forma
como nos relacionamos. Elas se tornam lentes que distorcem a realidade: um
simples gesto de alguém pode acionar memórias antigas, fazendo-nos reagir com
intensidade desproporcional. Muitas vezes não estamos apenas respondendo ao
presente, mas revivendo dores do passado.
Ao trazer consciência para essas dinâmicas,
começamos a abrir espaço para a cura. O processo terapêutico sistêmico não
busca culpados, mas sim elucidação, compreensão e reconexão. Quando
compreendemos o lugar de cada um no sistema, quando acolhemos nossas dores e as
dos nossos ancestrais, permitimos que o amor, muitas vezes encoberto por mágoas
e repetições, volte a fluir.
Cuidar das relações é cuidar de si mesmo. Através
do olhar sistêmico, somos convidados a sair do papel de vítimas das
circunstâncias e, no papel de adultos, assumir a responsabilidade por nossa
história com mais amorosidade e maturidade. Curar as feridas emocionais não é
apagar o que foi vivido, mas reconhecer e dar um novo significado às
experiências, acolhendo a dor com respeito e escolhendo caminhos diferentes.
Quando um membro do sistema inicia seu processo de cura, ele também influencia os demais. É como se, ao curar uma parte, todo o organismo se reorganizasse. No fundo, todo o nosso desejo por pertencimento, amor e reconhecimento pode ser acolhido com mais consciência quando entendemos que não estamos sozinhos — fazemos parte de algo maior, um sistema de relações. E é nesse todo que, pouco a pouco, podemos encontrar cura, reprogramar nossas emoções e viver conexões mais plenas em nossa vida.
Camila Ribeiro - psicanalista, terapeuta comportamental, mentora de mulheres e fundadora da Clareia Desenvolvimento Humano
@camiribeirok
@clareia.dh
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