Ainda que haja polêmicas em torno do uso de MDMA (3,4-metilenodioximetanfetamina) em tratamento de pacientes que sofrem de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), a comunidade científica reconhece os benefícios que o medicamento promove. Estudos de Fase 3 atestam a eficácia significativa no tratamento de pessoas que têm maior resistência a outras terapias – 67-72% dos participantes não preencheram mais os critérios para TEPT após o uso controlado de MDMA. Isso porque o medicamento propõe um novo paradigma: em vez de suprimir o sintoma, busca oferecer ao paciente outra forma de enxergar sua dor.
O
efeito do MDMA é de uma reciclagem da rede neural, quebrando padrões repetitivos
de comportamento e percepção que aprisionam o paciente em ciclos de sofrimento.
A substância não é uma “pílula mágica”, mas uma ferramenta que, aliada à
psicoterapia, tem o potencial de oferecer cura real, onde antes havia apenas
contenção sintomática. E o uso recomendado deve seguir um protocolo restrito,
sob controle de profissionais devidamente qualificados, apenas em ambiente
clínico, para que os efeitos sejam benéficos não apenas durante a sessão de
terapia mas tenham durabilidade.
O que é o MDMA e como ele atua no cérebro?
O MDMA foi sintetizado pela primeira vez em 1912, de forma acidental, durante o desenvolvimento de um tratamento para disfunções na coagulação sanguínea. Apesar de sua origem farmacêutica, a substância permaneceu por décadas sem uso clínico reconhecido. No cérebro, ele promove uma tempestade serotoninérgica — uma liberação intensa de serotonina — que proporciona uma sensação plena de bem-estar. Também estimula a liberação de ocitocina, o hormônio associado ao parto e ao vínculo afetivo, o que contribui para uma intensa empatia e conexão emocional durante o uso.
Além disso, o MDMA diminui a hiperconectividade da amígdala — região cerebral ligada à memória emocional, ao medo e à resposta de alerta — permitindo que o paciente observe experiências traumáticas com mais sobriedade e lucidez. Como resultado, há uma atenuação da fobia social, fortalecimento das microrrelações interpessoais e maior capacidade de conexão por meio do olhar, o que reduz sentimentos causados por traumas ambientais e sociais pregressos.
Diferente da psilocibina e de outros psicodélicos clássicos, que atuam diretamente nos receptores serotoninérgicos e provocam alterações perceptivas profundas, o MDMA é considerado uma substância empatógena. Isso significa que sua principal ação é promover empatia, conexão e um estado emocional favorável à comunicação e à ressignificação de experiências traumáticas. O que, num processo terapêutico, é fundamental para que o paciente se sinta mais à vontade para conversar sobre eventos traumáticos que lhe causam sofrimento, sem que a amígdala acione o modo de alerta. Assim, o MDMA não é um tratamento isolado, mas uma peça de um projeto terapêutico mais amplo.
Decerto,
o MDMA é reconhecido pelo seu uso recreativo como princípio ativo em drogas
ilícitas – na verdade, muitas vezes não está nem presente como princípio ativo,
mas a droga se confunde com a substância na percepção popular. E é fato que, se
utilizado de forma inadequada ou com substâncias adulteradas, os efeitos podem
ser intensificados, gerando efeitos colaterais adversos. Por isso, é
fundamental o uso de formulações certificadas e seguras, com controle de pureza
e dosagem, bem como seguir os protocolos devidos.
Uso controlado
A segurança se baseia em três pilares: uso de substância padronizada, ambiente controlado e acompanhamento contínuo por profissionais especializados. O MDMA é administrado de forma oral em doses específicas, com monitoramento físico e emocional durante toda a sessão, além de integração com sessões terapêuticas antes e depois do uso da substância.
Pacientes
com histórico de traumas severos, resistentes a tratamentos tradicionais ou com
TEPT crônico são os que mais tendem a se beneficiar da terapia assistida por
MDMA. Há também ganhos potenciais para indivíduos com dificuldade de
socialização, fobia social ou bloqueios emocionais profundos decorrentes de
vivências traumáticas.
Histórico regulatório
Em 1986, Rick Doblin fundou a MAPS (Multidisciplinary Association for Psychedelic Studies), organização dedicada ao estudo científico do uso terapêutico de psicodélicos. Com mais de 100 milhões de dólares arrecadados de filantropos, a MAPS liderou pesquisas clínicas documentando os efeitos positivos do MDMA em pacientes com TEPT. Os ensaios clínicos realizados e documentados pela organização demonstraram segurança e eficácia do MDMA quando usado em ambiente controlado, com suporte psicológico qualificado.
Em 2023, a Lykos Therapeutics submeteu ao FDA a proposta de uma nova formulação da droga para aprovação oficial como tratamento médico. Hoje, nos Estados Unidos, o MDMA está em fase final de aprovação pelo FDA como medicamento para TEPT. Já a Austrália, em também em 2023, tornou-se o primeiro país a aprovar legalmente a terapia psicodélica assistida por MDMA, em escopo limitado, para casos específicos de transtornos mentais como o TEPT.
No
Brasil, contudo, ainda não há aprovação regulatória definitiva. Apenas a
importação excepcional pode ser solicitada via Anvisa em casos individualizados
e com justificativa médica. Espera-se que os avanços científicos comprovados e
as aprovações regulatórias em outros países sirvam de impulso para que nosso
país também passe a fazer uso terapêutico do MDMA. Isso será um importante
passo na promoção de saúde mental e qualidade de vida para milhares de
brasileiros que esperam por um tratamento mais eficaz para seus traumas.
Dr. Lucas Cury - médico, pós-graduado em Neurologia pela Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro-RJ/PUC-Rio
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