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| Astrócitos, em vermelho, de hipocampo de roedores superexpressando hevina, em verde (imagem: Felipe Cabral-Miranda e Ana Paula Bergamo Araujo) |
Pesquisadores da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e colaboradores da Universidade de São Paulo
(USP) descobriram que uma molécula denominada hevina pode reverter o déficit
cognitivo. O estudo, realizado em camundongos, mostrou que essa glicoproteína
produzida por células cerebrais (astrócitos) é capaz de aumentar as conexões
entre os neurônios (sinapses) em roedores envelhecidos (idosos) e em modelos
experimentais da doença de Alzheimer.
“A hevina é uma molécula bem
conhecida e envolvida na plasticidade neural. É naturalmente secretada por
células do sistema nervoso central que dão suporte ao funcionamento dos
neurônios e são conhecidas como astrócitos. Descobrimos que a superprodução de
hevina é capaz de reverter os déficits cognitivos de animais envelhecidos por
meio da melhora na qualidade das sinapses nesses roedores”, relata Flávia Alcantara Gomes, chefe do
Laboratório de Neurobiologia Celular do Instituto de Ciências Biomédicas da
UFRJ.
O estudo, publicado na
revista Aging Cell, teve apoio do Ministério da Saúde, da Fundação
Carlos Chagas Filho de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e
da FAPESP.
É importante destacar que ainda
existe um longo caminho até que uma molécula envolvida no processo de reversão
do déficit cognitivo venha a se tornar um fármaco. Isso porque se trata de um
estudo de ciência básica realizado em camundongos. Outro aspecto que deve ser
levado em consideração é a necessidade de garantir que esse composto ultrapasse
a barreira hematoencefálica (protetora do cérebro) – o que exigiria esforços em
desenhar moléculas com essa característica e com o mesmo potencial terapêutico.
“É claro que, futuramente, será
possível desenhar fármacos que tenham o efeito da hevina. Porém, por ora, o
ganho fundamental deste trabalho está em entender mais profundamente os
mecanismos celulares e moleculares da doença de Alzheimer e do processo de
envelhecimento. A originalidade está em perceber o papel do astrócito nesse
processo. Tiramos o foco dos neurônios, dando luz ao papel dos astrócitos, que,
como mostramos, também pode ser um alvo para novas estratégias de tratamento
para a doença de Alzheimer e o déficit cognitivo”, diz Gomes.
Hipótese
baseada em evidência
A partir da observação de dados
públicos, os pesquisadores identificaram que os níveis de hevina no cérebro
caem em pacientes com Alzheimer quando comparados a indivíduos saudáveis da
mesma idade. Com essa informação e utilizando um vetor viral recombinante, o
grupo do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ superexpressou a hevina em
astrócitos de animais envelhecidos e em animais geneticamente modificados para
apresentar um quadro semelhante à doença de Alzheimer (modelo experimental da
doença).
Além disso, também foi
analisado o conjunto de proteínas produzidas por células do cérebro (proteoma
cerebral) desses animais. Ao comparar os roedores com e sem superprodução de
hevina, os pesquisadores constataram que 89 proteínas foram expressas de modo
diferente. Essa etapa do trabalho foi realizada no Laboratório Multiusuário
Redox Proteomics Core, do Centro de Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma)
– um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP sediado no
Instituto de Química da USP.
“A sinapse depende de proteínas
para liberar um sinal químico de um neurônio para outro. A análise proteômica
mostrou que o reforço de hevina nos astrócitos regula diferentes grupos de
proteínas envolvidas nas sinapses. Observamos um aumento de sinapses ou, em
outras palavras, uma maior aproximação dos neurônios e, por consequência, um
melhor desempenho cognitivo”, explica Danilo Bilches Medinas,
professor do Departamento de Bioquímica do IQ-USP.
Placas
amiloides
Além de identificar o potencial
da hevina em reverter o déficit cognitivo em roedores por meio de testes
comportamentais, os pesquisadores também observaram que a superexpressão da
molécula nos astrócitos não influenciou a deposição de placas da proteína
beta-amiloide no hipocampo – uma característica da doença de Alzheimer que tem
sido o foco de estudos sobre a doença e alvo para o desenvolvimento de
fármacos.
“Para a nossa surpresa, apesar
de ocorrer a reversão do déficit cognitivo em animais-modelo da doença de
Alzheimer, não houve alteração no conteúdo das placas. Isso realça a complexidade
da doença, em termos de ter um mecanismo multifatorial. Isso é ilustrado por
indivíduos idosos que, apesar de apresentarem as placas, não têm sintomas da
doença”, afirma Felipe Cabral-Miranda, biomédico do Instituto de Ciências
Biomédicas da UFRJ e primeiro autor do estudo.
“Embora ainda não haja consenso
entre os pesquisadores, eu trabalho com a hipótese de que a formação das placas
beta-amiloide não seja a causa do Alzheimer. E os resultados do estudo, ao
mostrar uma prova de conceito de uma molécula que consegue reverter o
decaimento cognitivo sem impactar a placa beta-amiloide, corroboram a hipótese
de que estas, apesar de participarem dos mecanismos da patologia, não são
suficientes para causar Alzheimer”, completa.
O artigo Astrocytic
Hevin/SPARCL-1 Regulates Cognitive Decline in Pathological and Normal Brain
Aging pode ser lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/acel.14493.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/molecula-reverte-deficit-cognitivo-associado-ao-envelhecimento-e-a-demencia-em-testes-com-animais/54738

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