Neto de Graciliano Ramos e apaixonado por animais, Rogério dedicou seus últimos anos à cuidadosa seleção dos textos que compõem todo o projeto
A Maralto Edições lança, neste mês de abril, as
antologias Histórias brasileiras de cães e Histórias brasileiras de gatos,
organizadas por Rogério Ramos, falecido em agosto de 2024, pouco após concluir
o trabalho. Durante anos, Rogério se dedicou meticulosamente à seleção dos
textos e, ao perceber a proximidade da publicação, intensificou a revisão e
edição. Nos momentos finais do projeto, já doente, contou com o apoio do irmão,
Ricardo Ramos Filho.
As antologias reúnem narrativas que evidenciam a
presença marcante de cães e gatos na literatura brasileira, em poemas, contos,
crônicas e romances. Entre os autores reunidos estão grandes nomes da
literatura nacional, como Carlos Drummond de Andrade, Carlos Heitor Cony,
Clarice Lispector, Dalton Trevisan, Domingos Pellegrini, Jorge Amado, Lygia
Fagundes Telles, Rachel de Queiroz, Raul Pompeia, Ricardo Ramos, Ricardo Ramos
Filho, Graciliano Ramos, Rubem Braga, Zélia Gattai, Cora Rónai, Otto Lara
Resende, Ferreira Gullar, entre outros.
Rogério Ramos sempre sonhou em criar diversas
coletâneas dedicadas exclusivamente aos animais. Começou reunindo textos sobre
cães, depois voltou sua atenção aos gatos, mas seus planos iam muito além,
imaginava coletâneas sobre cavalos, pássaros e tantos outros seres que povoavam
seu afeto.
“Meu irmão foi uma vocação perdida”, recorda
Ricardo, “estudou Letras, foi editor, mas deveria ter sido veterinário. Adorava
bichos de uma maneira geral. Desde os dinossauros, sabia tudo sobre eles. Em
casa, quando éramos pequenos, trazia passarinhos (várias gaiolas), montou um
grande aquário, cachorro, porquinho-da-índia, gato, papagaio, periquito,
tartaruga. Talvez desejasse fazer de nossa residência um zoológico. Meus pais,
desconfiados, permitiam.”
As obras contam com um ensaio fotográfico em preto
e branco captado pela experiente fotógrafa Rosane Lima, que buscou retratar a
essência dos animais por meio de registros espontâneos e sensíveis.
“Estudei os textos selecionados e só depois busquei
imagens e animais que pudessem dialogar com eles”, explica Rosane. “Tenho
amigos tutores de gatos e cães, e tratei de visitá-los. Os encontros foram
longos, marcados por muita conversa e observação. Era essencial identificar,
nos animais visitados, o sentimento evocado em cada texto. Os bichos retratados
já me eram familiares, assim como o vínculo que cada um tinha com seu tutor.”
Entre os textos selecionados por Rogério,
destaca-se um trecho de uma crônica de Carlos Heitor Cony, publicada na Folha de
S.Paulo em 31 de janeiro de 1994. Nele, o autor relata sua relação
de cumplicidade com a cadela Mila e a reação do animal no dia da morte de seu
pai.
Mila é mais sóbria, mais
sólida e sábia. Na noite em que meu pai morreu, vim em casa tomar banho, fazer
a barba, trocar de roupa, preparar-me para o dia que me aguardava. Sempre que
coloco a chave na fechadura, por menos ruído que faça, ela se coloca atrás da
porta e espera. Pula em cima de mim, seu hálito aquece meu pescoço, seus olhos
procuram os meus e ela me lê, sabe como estou, como foi meu dia e como está a
vida.
Naquela noite não pulou, nem
olhou meus olhos. Cabeça baixa, rabo entre as pernas, ela sabia. Eu não avisara
a ninguém, mas a ela nada precisava dizer. Encostou-se aos meus joelhos,
cúmplice e solidária. E ela, que do mundo lá fora esperava um pai, do mundo lá
fora recolheu um órfão.
Para Ricardo Ramos Filho, administrar esse projeto
editorial é também uma forma de homenagear a memória o irmão. Ele admite que a
perda deixou um vazio imenso em sua vida. Eram muito unidos, com apenas dois
anos de diferença de idade, e a ausência ainda é profundamente sentida. “O luto
ainda está presente. Lidar com esse trabalho é pensar que ele ficaria feliz ao
ver esses livros publicados. De certa forma, estamos perpetuando o legado de
Rogério. Ele era tão importante para mim que, aos 71 anos de idade, tatuei no
braço um verso de Drummond que representa minha dor: ‘A ausência é um estar em
mim’”, finaliza Ricardo.
As antologias Histórias brasileiras de gatos e Histórias
brasileiras de cães já estão disponíveis para compra no e-commerce
da Maralto Edições e em livrarias parceiras. As obras também integram o
Programa de Formação Leitora Maralto, iniciativa voltada para escolas em todo o
país.
Organizador:
Filho de Ricardo Ramos e neto de Graciliano Ramos,
Rogério Ramos dedicou sua vida ao mundo dos livros. Como editor de obras
didáticas e literárias, trabalhou para ampliar horizontes e imaginar uma São
Paulo mais plural e menos urbana. Apaixonado por cães, gatos e cavalos,
cultivava três grandes amores: a literatura, a cidade e os animais. Em 2000,
colaborou na obra juvenil Os primos Ramos Amado em A Nave de Noé,
escrita a dez mãos. Faleceu em 2024, aos 68 anos.
Fotografias:
Rosane Lima construiu uma sólida trajetória como
fotojornalista na mídia impressa catarinense, registrando com sensibilidade e
precisão a realidade ao seu redor. Entre seus projetos de destaque estão a
exposição Nossos trabalhadores (2014) e a colaboração no livro Ensaios
para a liberdade (2002), produzido pela Fundação Arco-Íris, em
Florianópolis.
Histórias brasileiras de cães
Páginas: 165
Histórias brasileiras de gatos
Páginas: 125
Organizador: Rogério Ramos
Fotos: Rosane Lima
Preço: R$ 59,90/cada
Editora: Maralto Edições
Vendas: https://loja.maralto.com.br
Instagram: @maraltoediçoes

Nenhum comentário:
Postar um comentário