Monica Pérez, especialista em Direito da Família, aponta que a morosidade judicial e as preferências limitadas dos adotantes dificultam o acesso à convivência familiar prevista por lei
A adoção é
um direito garantido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que
estabelece que todo menor tem direito à convivência familiar. Isso significa
que, quando a família biológica não pode ou não quer exercer essa função, o
Estado deve assegurar que essa criança ou adolescente possa se integrar a uma
nova família, por meio da adoção. No entanto, apesar de a legislação brasileira
garantir esse direito, o processo de adoção no Brasil ainda enfrenta uma
lentidão preocupante, gerando ansiedade e frustração tanto para os futuros pais
quanto para os menores acolhidos.
O processo é
marcado pela morosidade. Para que a adoção seja decretada, é necessário passar
por um processo de habilitação e estágio de convivência, nos quais são
avaliadas questões psicológicas, emocionais e estruturais da família candidata.
A Dra. Monica Pérez, especialista em Direito da Família, explica: “Apesar do
número alto de crianças disponíveis, muitas acabam não sendo escolhidas, visto
que, na lista de preferência dos aptos para adotar, estão crianças mais novas,
e características físicas que dificultam ainda mais o processo.”
De acordo
com dados atualizados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA),
divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil conta atualmente
com 4.825 crianças e adolescentes aptos à adoção, enquanto 35.622 pessoas estão
habilitadas para adotar. No entanto, mais de 33 mil dessas preferem crianças
com até 8 anos de idade, o que limita as chances de adoção para os demais
perfis disponíveis. Além disso, apenas 6% dos pretendentes aceitam adotar
grupos de irmãos, o que agrava ainda mais a dificuldade de colocação familiar
para essas crianças.
As pesquisas
revelam um desequilíbrio entre o perfil das crianças disponíveis e o das
pessoas que pretendem adotar. “Paralela à questão de preferências, há também,
infelizmente, grande falta de informação e apoio.”, explica Pérez.
Além da
discrepância entre os perfis, há outro dado preocupante: o número de adoções
desfeitas. Segundo o CNJ, quase 8% dos processos de adoção foram revertidos
entre 2019 e 2023. Isso representa 1.666 crianças que, após serem colocadas com
famílias adotivas, retornaram ao sistema de acolhimento (Agência Brasil, 2024).
“Isto porque muitos, na ânsia de formar ou aumentar sua família, veem de forma
colorida este filho que está a chegar, mas se esquecem que ele virá com
questões emocionais importantes, uma vez que estará lidando com a perda dos
pais biológicos e se verá no seio de uma família onde ainda não possui qualquer
vínculo.”, alerta a especialista.
A Lei 14.979/2024,
sancionada recentemente, trouxe avanços ao tornar obrigatória a integração dos
cadastros estaduais, distrital e nacional de crianças aptas à adoção e de
pretendentes. Mas, segundo a Dra. Pérez, os impactos práticos ainda são lentos:
“Tais alterações foram de suma importância, uma vez que trouxeram mais
transparência, segurança e, ao menos deveriam ter trazido, mais celeridade aos
processos de adoção.”
Monica
defende uma atuação mais ampla do Estado e da sociedade civil: “Desburocratizar
o processo, investir em programas de apadrinhamento, apoio aos abrigos e
campanhas que incentivem a adoção sem perfil fixo são medidas urgentes. O ideal
é que as filas — de quem quer adotar e de quem precisa ser adotado — se
encontrem de forma mais humana e rápida.”
A Dra.
Monica Pérez encerra com um alerta importante: “Muitos idealizam a chegada de
um filho como um sonho, mas esquecem que, do outro lado, vem uma criança com
dores reais. E que o amor é um processo de construção, não um milagre
instantâneo.” Esse aviso destaca a realidade das crianças adotivas, que, além
de perderem suas famílias biológicas, enfrentam traumas emocionais. Para que o
vínculo de adoção seja bem-sucedido, é essencial que os adotantes estejam
preparados para os desafios do processo, que exige paciência, empatia e apoio
contínuo.
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