ButtiniMoraes Advogados alerta sobre a importância da segurança jurídica e da confiança para as decisões empresariais
Assim como no ditado “não se
pode mudar a regra do jogo enquanto a bola está rolando”, a autoridade
tributária deve respeitar os princípios da segurança jurídica, da confiança
legítima e da estabilidade nas relações com os contribuintes, sobretudo ao
instituir nova regra jurídica ou, eventualmente, alterar algum entendimento
consolidado.
Nesse sentido, o Código
Tributário Nacional (“CTN”), em seu art. 100, inciso III, classifica, enquanto
normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e
decretos, as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades
administrativas. “O parágrafo único do artigo mencionado institui que a observância
destas normas exclui a imposição de penalidades, cobrança de juros de mora e
atualização do valor monetário da base de cálculo de tributo que porventura
venha a ser exigido”, afirma Ligia Ferreira de Faria, advogada do
ButtiniMoraes.
Segundo Ligia,
complementarmente, o art. 146, também do CTN, estabelece que qualquer
modificação introduzida, de ofício ou em consequência de decisão administrativa
ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no
exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo
sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua
introdução. “Os referidos dispositivos ganham um contorno ainda mais especial
quando analisados à luz do princípio da segurança jurídica, um dos pilares do
ordenamento jurídico brasileiro”, reforça a advogada.
Neste quesito, a segurança
jurídica impõe ao Estado-Tributante que aja de modo a possibilitar minimamente
a previsibilidade, a confiabilidade, a estabilidade, a lealdade e a cognoscibilidade
do sistema. “O objetivo das restrições constitucionais ao poder de tributar é
dar uma nota de previsibilidade e de proteção de expectativas legitimamente
constituídas, e que, por isso mesmo, não podem ser frustradas pelo exercício da
atividade estatal, ao se referir ao princípio da segurança jurídica”,
acrescenta Marcelle Farias Pitta, também advogada do ButtiniMoraes.
Traçando um paralelo com o
reconhecimento dos costumes observados pela administração tributária como
normas complementares, constata-se que o sistema pátrio admite que as práticas
reiteradamente observadas pelas autoridades fiscais não configuram meras
atitudes informais e esporádicas. “Elas consistem em comportamentos
efetivamente consistentes e que geram nos contribuintes uma legítima
expectativa de estabilidade e previsibilidade, de modo a propiciar a confiança
em uma relação cujo caráter já é, por si, verticalizado e díspar, considerando
a poderosa prerrogativa de tributar do colossal Estado-Fiscal frente ao
contribuinte, parte mais fragilizada”, detalha Ligia.
De acordo com Marcelle,
pode-se considerar, desse modo, que o respeito a estes preceitos não se trata
apenas de uma questão técnica e legislativa, mas uma tônica da realização da
justiça fiscal propriamente dita. A confiança legítima e a observância
asseguram um trato de cooperação e mutualidade entre Fisco e Contribuinte, o
que não significa, por óbvio, que o sistema deva permanecer imobilizado e
estagnado, mas apenas que, ao serem promovidas mudanças abruptas e repentinas,
os contribuintes disponham de um tempo razoável para assimilá-las e se adequar
às novas regras.
A título de exemplo tem-se a
discussão sobre a possibilidade de cobrança do Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (“ICMS”) sobre valores da tarifa gaúcha denominada Conta
de Desenvolvimento Energético (CDE). A CDE foi instituída no ano de 2002, no
entanto, até 2018, jamais havia sido realizada a cobrança do imposto estadual
sobre os referidos valores, o que, notadamente, configura uma prática reiteradamente
adotada.
Surpreendentemente, a
Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul, no ano de 2018, intimou
diversos contribuintes a confessar a pretensa dívida retroativa, ou seja,
convidou as empresas do setor energético a realizar a autorregularização.
“Diante dessa intimação, uma empresa (Cooperluz Cooperativa Distribuidora de
Energia Fronteira Noroeste) formulou consulta formal perante a Secretaria da
Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul para questionar a higidez da cobrança, e
obteve resposta no sentido de sua regularidade”, comenta Marcelle.
Com receio de sofrer a
tributação supostamente devida nos períodos pretéritos à inovação no
entendimento do Fisco gaúcho e nos períodos posteriores, a empresa impetrou
Mandado de Segurança pugnando fosse obstada qualquer autuação, com fundamento,
justamente, no princípio da não surpresa, e o referido caso chegou ao STJ
recentemente.
A Segunda Turma do Superior
Tribunal de Justiça julgou o Agravo em Recurso Especial nº 1.688.160/RS, de
Relatoria do Ministro Francisco Falcão, e apreciou a mencionada alteração na
postura do Estado do Rio Grande do Sul. Não obstante tenha reconhecido a
regularidade da incidência do ICMS sobre a tarifa discutida com efeitos
prospectivos, o STJ decidiu que o contribuinte não poderia ser autuado, em
relação aos fatos geradores passados, nem mesmo para a cobrança do tributo, uma
vez que a inclusão da CDE na base de cálculo do ICMS jamais foi uma prática da
administração tributária local. “A questão que se apresentou foi se a ausência
de cobrança do ICMS sobre a referida tarifa, durante dezesseis anos, importou
em configuração de costume e de prática adotada continuadamente”, argumenta
Ligia.
E ao fazer uma interpretação
conjunta dos arts. 100 e 146 do Código Tributário Nacional, o STJ entendeu que,
tendo havido uma inovação repentina no entendimento do Fisco Estadual do Rio
Grande do Sul, os contribuintes necessitariam de um prazo de adaptação, uma vez
que restou vislumbrada uma prática reiterada com caráter de norma complementar.
Em outras palavras, o STJ reputou prática reiterada a omissão do Fisco gaúcho
em realizar a cobrança pretendida.
Para Marcelle, ao reconhecer
se tratar de uma norma complementar que pretendia alcançar fatos pretéritos,
foram estabelecidas não somente as penalidades, os juros e a correção
monetária, mas o próprio tributo em relação aos períodos pretéritos. Isso porque,
na esfera tributária, o costume é tão relevante que, mesmo na atividade de
lançamento, ele poderia afastar não somente a penalidade, mas também o próprio
tributo.
“O precedente reflete a
necessidade de respeito à segurança jurídica, à confiança legítima e à
estabilidade nas relações entre Fisco e Contribuinte, de tal modo que, ao
revisitar os seus entendimentos, a administração tributária deve agir com
cautela e transparência, assegurando-se, dessa forma, a previsibilidade e
observância ao ordenamento jurídico”, explica Ligia.
Segundo Ligia e Marcelle, o
precedente é importante em razão da interpretação feita pelo STJ a respeito dos
artigos 100 e 146 do Código Tributário Nacional, ao entender que tais
dispositivos () asseguram a segurança jurídica e a confiança, devendo pautar
não somente os atos administrativos do lançamento, mas também as decisões
proferidas pelos tribunais.
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