Machos e fêmeas tiveram diferentes desfechos cardiorrespiratórios
e no sono depois de terem sido expostos a canabinoide sintético no útero
(ilustração: Luis Gustavo Patrone/Unesp)
A exposição de
ratas grávidas a um canabinoide sintético – capaz de ativar os mesmos
receptores cerebrais que a maconha – mostrou que os efeitos da droga nos
filhotes se estendem à vida adulta, como problemas cardiovasculares nas fêmeas
e maior suscetibilidade a ataques de pânico nos machos. O resultado do estudo, publicado no American Journal of Physiology –
Lung Cellular and Molecular Physiology, reacende o alerta sobre o uso desse
tipo de substância por mulheres grávidas.
O trabalho foi
conduzido com apoio da
FAPESP por pesquisadores das universidades Estadual Paulista (Unesp) e de São
Paulo (USP). Em estudo anterior, o grupo havia demonstrado os efeitos da
exposição intrauterina ao canabinoide em roedores filhotes e juvenis (leia
mais em: agencia.fapesp.br/41025).
“Observamos que
existem alterações de longo prazo no comportamento, mas principalmente na
função cardiorrespiratória dos animais que foram expostos ao canabinoide ainda
no útero da mãe. As alterações, porém, variam entre machos e fêmeas”,
conta Luis Gustavo Patrone, primeiro autor do estudo, realizado como parte do
seu doutorado com bolsa da
FAPESP na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) da Unesp, em
Jaboticabal, onde atualmente realiza seu pós-doutorado.
Diferentemente do
que aconteceu com os recém-nascidos no estudo anterior, no experimento atual
não houve alterações na respiração basal dos indivíduos adultos (80 dias de
vida). O resultado pode ser um indício de algum mecanismo de compensação ao
longo do desenvolvimento pós-natal, embora ainda não seja possível apontá-lo.
Um resultado
mantido em relação ao trabalho anterior foi que a exposição intrauterina ao canabinoide
provocou uma maior sensibilidade respiratória ao dióxido de carbono (CO2)
nos machos adultos, um desfecho oposto ao que ocorreu nas fêmeas.
“Em humanos, essa
sensibilidade aumentada ao CO2 pode ser um determinante para a
ocorrência de episódios de pânico, quando se tem a sensação de não estar
conseguindo respirar, ou seja, um falso alarme de sufocamento. Os animais, por
sua vez, expressam esse comportamento por meio de tentativas de fuga da câmara
de experimento”, explica Luciane Gargaglioni, professora da FCAV-Unesp e coordenadora do
estudo.
Função
cardiovascular e sono
Os pesquisadores
avaliaram ainda fatores cardiovasculares e a qualidade do sono nos animais. O
estudo revelou que a exposição ao canabinoide durante o desenvolvimento fetal
tornou a prole propensa a disfunções cardiovasculares na idade adulta, com
hipertensão e taquicardia sendo mais frequentemente identificadas nas fêmeas.
Quanto à qualidade
do sono, os machos apresentaram um padrão mais fragmentado, acordando mais
vezes ao longo do período em que foram monitorados. “Somado o tempo total, eles
dormem menos”, diz Patrone. As fêmeas expostas, por sua vez, também tiveram uma
redução da qualidade do sono, porém, de forma amena.
“A maioria dos
estudos científicos avalia os parâmetros apenas em machos, assumindo que os
resultados valem para ambos os sexos. No nosso laboratório, sempre fazemos essa
distinção e as respostas muitas vezes são bem diferentes, até opostas, como
neste estudo”, afirma Gargaglioni.
Uma hipótese que
pode explicar as diferenças entre os desfechos observados em machos e fêmeas é
a ação dos hormônios próprios de cada sexo. No caso das fêmeas, o estrógeno é
conhecido pela ação neuroprotetiva, o que pode estar blindando o encéfalo das
ratas da ação deletéria do canabinoide.
Além disso, os
mamíferos são conhecidos por ter uma formação mais lenta do sistema
respiratório nos machos. Isso ocorre durante o chamado pico de testosterona,
que coincide com o período de masculinização e formação dos órgãos sexuais.
Esse atraso na maturação dos pulmões, bem como das regiões encefálicas
responsáveis pelo controle da função respiratória, torna os machos mais
vulneráveis.
Os pesquisadores
ressaltam, ainda, que os resultados não decorrem de uma menor atenção das mães
expostas ao canabinoide em relação aos seus filhotes. Nos experimentos, estas
tiveram os mesmos cuidados que as do grupo controle, que não receberam a
substância.
O artigo Long-term
effects on cardiorespiratory and behavioral responses in male and female rats
prenatally exposed to cannabinoid pode ser acessado em: https://journals.physiology.org/doi/abs/10.1152/ajplung.00042.2024.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/em-ratos-exposicao-intrauterina-a-canabinoide-tem-efeitos-cardiorrespiratorios-e-no-sono-na-vida-adulta/52813
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