Estudo publicado nesta terça-feira detalhou um novo mecanismo envolvido na progressão da insuficiência cardíaca Freepik |
Resultados de experimentos em animais, culturas de células e amostras de tecido cardíaco humano foram descritos no European Heart Journal. Primeira etapa da pesquisa clínica foi conduzida por empresa parceira e comprovou a segurança do composto
Pesquisadores da Universidade
de São Paulo (USP) desenvolveram, em parceria com a Foresee Pharmaceuticals –
empresa sediada em Taiwan e nos Estados Unidos –, uma molécula sintética capaz
de melhorar o quadro de insuficiência cardíaca. Resultados do estudo, financiado pela
FAPESP, foram publicados ontem
(07/11) no European Heart Journal. O tema também foi
destaque no editorial da
revista.
Caracterizada por problemas de
bombeamento do sangue pelo coração, a insuficiência cardíaca é a enfermidade
que mais mata no mundo. Isso porque as demais doenças que afetam o sistema
cardiovascular tendem a evoluir para essa condição que, no Brasil, acomete
aproximadamente 2 milhões de pessoas. Embora exista uma série de tratamentos
capazes de frear a progressão da insuficiência cardíaca, ainda não há terapias
capazes de reverter a doença, nem mesmo parcialmente. Em casos mais graves,
considera-se o transplante de coração.
No estudo translacional
conduzido na USP, foram feitos diversos experimentos para demonstrar a
capacidade da molécula denominada AD-9308 de restaurar a atividade da proteína
aldeído desidrogenase 2 (ALDH2) – que está presente na mitocôndria (organela
que gera energia para as células) e tem papel central no desenvolvimento de
insuficiência cardíaca.
“Trata-se de um estudo de mais
de dez anos e que evoluiu da bancada ao leito do paciente. O objetivo foi
detalhar um novo mecanismo envolvido na progressão da insuficiência cardíaca.
Paralelamente aos nossos experimentos, a empresa biofarmacêutica foi melhorando
uma molécula que mostramos – ainda em 2014 – ter potencial para tratar a
doença”, conta Julio Cesar Batista Ferreira,
professor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB-USP) e coordenador da
pesquisa.
O protótipo do composto foi
originalmente denominado pelo grupo de Ferreira como Alda-1. Na época, a equipe
de pesquisa observou que camundongos com insuficiência cardíaca tratados com a
droga apresentavam um aumento de 40% no volume de sangue bombeado. E esse
efeito era decorrente da ativação da enzima mitocondrial ALDH2 (leia mais
em: agencia.fapesp.br/19343).
Modificações estruturais foram
feitas na molécula para potencializar o efeito farmacológico e qualificá-la
como um potencial composto a ser desenvolvido. Após muitos testes, chegou-se à
versão de número 5.591, denominada AD-9308. “Essa nova versão ativa a enzima
ALDH2 três vezes mais do que a molécula original”, conta Ferreira.
Segundo o pesquisador, a
empresa parceira já finalizou os testes clínicos de segurança da AD-9308. “Os
resultados mostram que a molécula sintética é bem tolerada por indivíduos
saudáveis. O próximo passo, possivelmente, será submeter um pedido junto à FDA
[a agência de vigilância sanitária dos Estados Unidos] para testar o candidato
a fármaco em humanos com insuficiência cardíaca. Isso exige um número maior de
voluntários e mais tempo. Mas só assim será possível verificar para qual tipo
de insuficiência cardíaca e qual estágio da doença a AD-9308 é indicada”,
explica o professor da USP.
Problemas
no motor
Resultados de diversos estudos
conduzidos no ICB-USP na última década evidenciaram que a insuficiência cardíaca
está relacionada com o mau funcionamento da mitocôndria. De forma
semelhante ao motor de um carro, a mitocôndria transforma energia química em
energia mecânica – algo importante para o bombeamento de sangue pelo coração.
“Quando o motor não funciona bem, o processo de transformação de energia é
prejudicado, resultando em menor eficiência do veículo e, consequentemente,
aumento da poluição”, compara Ferreira.
O “poluente” produzido pelas
mitocôndrias de pessoas com insuficiência cardíaca é o 4-hidroxinonenal –
composto que pertence à classe dos aldeídos. “Cada célula tem centenas, às
vezes, milhares de mitocôndrias que, quando não trabalham bem, produzem aldeído
suficiente para intoxicar toda a célula. Descobrimos neste trabalho mais
recente que essa toxina em excesso desliga um evento vital para a célula, o
processamento de microRNAs [pequenas moléculas de RNA que não codificam
proteínas, mas regulam a ação de outros genes]”, explica.
Utilizando espectrometria de
massas, os pesquisadores observaram que o aldeído produzido pela mitocôndria se
liga irreversivelmente a uma proteína chamada dicer, essencial para a formação
de microRNAs, inativando-a. “Além disso, demonstramos que a molécula AD-9308
melhora o sistema de filtração das mitocôndrias e, consequentemente, a
eliminação desse poluente celular”, diz.
Segundo Ferreira, já se sabia
que animais transgênicos que nascem sem a dicer desenvolvem insuficiência
cardíaca. “Neste estudo, desvendamos quais alterações químicas inativam a dicer
em roedores e em seres humanos em decorrência do acúmulo de aldeído na
insuficiência cardíaca, um mecanismo até então desconhecido. A questão é que a
dicer é uma enzima muito importante para a formação e o amadurecimento de
microRNAs, responsáveis pelo controle de toda a biologia celular”, conta
Ferreira.
A interrupção da formação e
maturação de microRNA está associada a diversas doenças, incluindo câncer,
síndrome metabólica, doenças neurodegenerativas e distúrbios cardiovasculares.
Nos testes realizados em
animais, em cultura celular e em amostras de tecidos do banco de corações do
Instituto do Coração (Incor), os pesquisadores observaram que, ao se ligar à
dicer, o aldeído faz com que a enzima pare de funcionar, diminuindo assim a
quantidade de microRNAs disponível no coração.
Além de descobrir esse novo
mecanismo relacionado à insuficiência cardíaca, os pesquisadores comprovaram,
nas amostras de tecido cardíaco humano, que é possível reverter o quadro e
restaurar a atividade da dicer utilizando o medicamento AD-9308.
"Basicamente, a molécula
AD-9308 estimula a remoção do aldeído da célula doente, o que reduz a chance de
o composto ‘desligar’ a dicer, protegendo assim a célula cardíaca. Com isso, é
possível manter o perfil de microRNAs mais próximo ao de um coração saudável.
Considero essa nossa parceria com a Foresee Pharmaceuticals um caso de sucesso,
pois foi essencial para a execução de um trabalho multidisciplinar e
multicêntrico, gerando achados muito promissores e que agora poderão ser
testados em humanos", comemora Ferreira.
O artigo 4-Hydroxynonenal
impairs miRNA maturation in heart failure via Dicer post-translational
modification pode ser lido em: academic.oup.com/eurheartj/advance-article/doi/10.1093/eurheartj/ehad662/7343271?searchresult=1.
Maria Fernanda Ziegler
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/molecula-testada-na-usp-se-mostra-capaz-de-amenizar-a-insuficiencia-cardiaca/50164
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