A equipe analisou a atividade da enzima Ndel1 em animais infectados pelo vírus zika (imagem: João Nani/Criado com BioRender.com) |
Estudo publicado no Journal of
Neurochemistry revela que camundongos infectados pelo vírus zika
durante a gestação e que desenvolveram microcefalia apresentam menor atividade
de uma enzima chamada Ndel1 – importante para processos de proliferação,
diferenciação e migração dos neurônios durante o desenvolvimento embrionário.
A descoberta, já patenteada,
pode, no futuro, servir de base para o desenvolvimento de um biomarcador para o
diagnóstico precoce de microcefalia em bebês infectados pelo zika no período
embrionário.
“Não temos bons biomarcadores
para o diagnóstico precoce [ainda na fase embrionária] da síndrome congênita
associada à infecção pelo zika. A descoberta dessa relação entre a atividade
enzimática e o tamanho encefálico é só o começo do caminho, mas traz muitas
esperanças. Atualmente, o diagnóstico se limita a medir o tamanho do cérebro
por ultrassonografia ou tomografia. Ou então se baseia nas medidas
imprecisas da circunferência do crânio após o nascimento, quando há poucas
possibilidades de se reverter o quadro”, comenta Mirian Hayashi,
professora do Departamento de Farmacologia da Escola Paulista de Medicina
(EPM-Unifesp) e coordenadora da pesquisa.
Apoiada pela FAPESP, a investigação foi conduzida em parceria com o grupo
liderado por Patrícia Garcez na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Os resultados também apontaram efeitos positivos do tratamento com o
interferon-beta – fármaco utilizado para esclerose múltipla e que tem sido
testado em animais infectados por zika. Nos experimentos com camundongos, o
medicamento evitou problemas no desenvolvimento neuronal, além de restabelecer
a atividade da enzima Ndel1 a níveis similares aos de roedores não infectados.
Modelo
experimental
A equipe analisou a atividade
de Ndel1 em animais infectados pelo vírus zika. Desenvolvido pelos pesquisadores
da UFRJ, o modelo experimental permitiu que os pesquisadores correlacionassem a
infecção com a atividade enzimática e a ação do interferon-beta em diferentes
fases do desenvolvimento embrionário, determinando assim os riscos de
distúrbios do neurodesenvolvimento.
“Observamos que a infecção está
associada a uma redução na atividade da enzima Ndel1 no encéfalo dos animais.
Pudemos variar condições como, por exemplo, injetar o vírus no ventrículo dos
embriões ainda no útero da mãe. Também variamos a carga viral e os diferentes
estágios de desenvolvimento do embrião, o que sugere que a atividade enzimática
tenha um excelente poder diagnóstico”, afirma João Nani, bolsista
da FAPESP e coautor do estudo.
O pesquisador ressalta ainda
que não necessariamente uma atividade baixa da enzima significa menor expressão
ou menor quantidade proteica da enzima. “Nesse estudo, sugerimos que a
atividade enzimática pode estar relacionada a dois fatores: à quebra de
substâncias químicas produzidas por células cerebrais [clivagem de
neuropeptídeos, questão que ainda precisa ser comprovada em estudos in
vivo], ou à capacidade dessa enzima de interagir com outras proteínas. Essa
é uma enzima de grande interação com proteínas importantes e a diminuição de
sua atividade pode alterar dinâmicas moleculares importantes”, diz.
Infecção
materno-fetal
Como lembra Hayashi, a infecção
pelo vírus zika durante a gestação pode causar uma série de malformações na
prole, entre elas a microcefalia. No entanto, vale destacar que um conjunto de
diferentes fatores pode culminar em microcefalia ou em outros danos
cerebrais durante a gravidez, incluindo aqueles desencadeados por
infecções como toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus e herpes simples,
por exemplo.
“Por que decidimos investigar
essa enzima em casos de infecção por zika? Porque ela é um excelente modelo
para infecções materno-fetais no geral. Sabemos que a infecção tende a disparar
uma série de respostas e, na gravidez, isso pode trazer complicações para a
embriogênese”, explica.
Os pesquisadores contam que a
enzima Ndel1 vem sendo muito estudada, sobretudo por sua importância para o
desenvolvimento neurológico e de doenças como esquizofrenia e depressão. Isso
porque, ressalta Hayashi, ela está associada à formação de complexos no
citoesqueleto intracelular do neurônio e na proliferação, diferenciação e
migração dos neurônios durante a embriogênese, que são processos cruciais para
a formação do cérebro.
Exemplos dessa interação com
proteínas do citoesqueleto foram demonstrados, como é o caso da sua associação
à proteína LIS1, que leva a uma doença chamada lisencefalia, ou cérebro liso,
em que a criança nasce sem os giros corticais. A Ndel1 também é uma das
principais ligantes do gene de suscetibilidade de esquizofrenia mais estudado,
denominado DISC1 (Disrupted-in-Schizophrenia 1).
Estudos anteriores demonstraram
ainda que mutações no geneNDE1 (que codifica uma proteína
semelhante à Ndel1, chamada de NDE1) foram associadas a casos graves de
microcefalia. Experimentos com modelos animais evidenciaram que a inativação do
gene NDE1 ou da enzima Ndel1 inibe a migração neuronal no
começo da formação do embrião.
“Demostramos também uma
atividade significativamente menor da Ndel1 em indivíduos com primeiro episódio
de psicose sem tratamento prévio com antipsicóticos e em pacientes medicados
com esquizofrenia crônica. O que sugere, mas ainda não foi possível comprovar,
que a atividade da enzima Ndel1 é um potencial biomarcador de estágios iniciais
e de resistência ao tratamento na esquizofrenia”, afirma Hayashi.
O estudo Assessing the
role of Ndel1 oligopeptidase activity in congenital Zika syndrome: Potential
predictor of congenital syndrome endophenotype and treatment response pode
ser lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/jnc.15918.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/estudo-associa-baixa-atividade-de-enzima-ao-desenvolvimento-de-microcefalia-em-prole-infectada-pelo-zika/49976
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