Mesmo em cenário otimista,
modelos matemáticos apontam que 87% dos mamíferos no bioma ficarão sem hábitat
adequado até 2060. Impacto será mais acentuado na parte leste, onde estão as
maiores cidades da regiãoO gambá-de-orelha-branca ou saruê (Didelphis albiventris)
é uma das espécies que podem perder completamente
seus hábitats na Caatinga por conta das mudanças climática
(foto: Mário R. Moura/Unicamp)
O cenário de mudanças
climáticas previsto para a Caatinga é catastrófico para a maioria das espécies
de mamíferos terrestres que habitam a região.
Em estudo publicado nesta terça-feira (17/10)
na revista Global Change Biology, pesquisadores da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp) e das federais da Paraíba (UFPB) e de Minas
Gerais (UFMG) preveem a perda de espécies em 91,6% das comunidades desses
animais no bioma, com 87% das espécies perdendo hábitat ainda em 2060.
“Esse é o cenário otimista, em
que a humanidade cumpre o Acordo de Paris, reduz as emissões de gases do efeito
estufa e diminui o ritmo do aquecimento previsto para as próximas décadas”,
explica Mário Ribeiro de Moura,
pesquisador do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp apoiado pela FAPESP e coordenador do
estudo.
A equipe de pesquisadores
cruzou as mais recentes previsões de temperaturas futuras divulgadas pelo
Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das
Nações Unidas (ONU), com bancos de dados de ocorrência de espécies de mamíferos
na Caatinga.
Foram utilizados diferentes
modelos estatísticos para capturar as tolerâncias fisiológicas das espécies ao
clima atual. Esses modelos foram então explorados em futuros cenários do clima,
trazendo resultados semelhantes entre si.
Até 2060, segundo o IPCC, as
temperaturas médias devem subir em 2,7° C no norte da América do Sul, com
aumento de 21 dias secos consecutivos na estação seca.
Uma vez que são necessários
milhares ou milhões de anos para os animais se adaptarem a mudanças tão
drásticas, os modelos apontam que apenas algumas poucas espécies encontrariam
mais áreas climaticamente adequadas no futuro, entre elas tatus, cotias e
veados, todas de grande porte. Entretanto, espécies de primatas, por exemplo,
perderiam áreas adequadas.
Pequenos mamíferos, cujos
indivíduos adultos têm menos de um quilo, serão os mais prejudicados. Esses
animais constituem 54% dos mamíferos da Caatinga. No total, 12 espécies (12,8%)
perderiam completamente os hábitats em 2060, no cenário mais otimista. Segundo
o modelo mais pessimista, porém, seriam 28 espécies (30%) sem áreas adequadas
até 2100.
Rato-bico-de-lacre (Wiedomys pyrrhorhinos) faz parte dos 54% de pequenos mamíferos que serão mais prejudicadas com mudanças climáticas na Caatinga (foto: Sarah Mangia) |
Entre pequenos roedores e marsupiais, animais como a cuíca (Gracilinanus agilis), o rato-da-árvore (Rhipidomys mastacalis) e o rato-de-espinho (Trinomys albispinus) serão alguns dos mais prejudicados.
“Para 70% das comunidades de
mamíferos, vai haver uma homogeneização, com poucas espécies generalistas
substituindo as raras e especialistas. Isso traz a perda de funções ecológicas,
como dispersão de sementes, e todo o ecossistema se torna menos resiliente”,
conta Moura.
Em um trabalho anterior, Moura
e outros coautores também utilizaram modelos estatísticos e bancos de dados
para prever como as plantas da Caatinga seriam afetadas pelas mudanças
climáticas.
Entre os resultados, também
está prevista uma homogeneização de 40% das comunidades de plantas, com
substituição de espécies arbóreas por gramíneas, por exemplo (leia mais
em: agencia.fapesp.br/41840).
Zona de
transição
Moura explica que, ainda que os
mamíferos possam mudar comportamentos para escapar das maiores temperaturas, o
período do dia com clima mais ameno poderá ser utilizado por muitas espécies ao
mesmo tempo. Isso pode gerar maior competição por recursos, o que também pode
afetar as chances de sobrevivência.
Em todos os cenários, a parte
mais afetada do bioma será a leste. Nessa área ocorre a transição com a Mata
Atlântica. A maior umidade trazida da costa tem como uma das consequências mais
espécies vivendo ali.
“Essa também é a parte da
Caatinga onde estão as maiores cidades da região. O desmatamento, a caça e
outras práticas históricas contribuem para que a situação seja ainda mais
complicada no local, o que pode amplificar os efeitos das mudanças climáticas”,
avalia o pesquisador.
Por isso, os autores defendem
que o sucesso de políticas socioambientais e de planejamento da conservação de
longo prazo depende que previsões sobre a biodiversidade sejam consideradas.
Além do projeto coordenado por
Moura, o trabalho recebeu financiamento por meio de um Auxílio à Pesquisa concedido a Mathias Mistretta Pires,
professor do IB-Unicamp e coautor do artigo.
O artigo Climate change
should drive mammal defaunation in tropical dry forests pode ser lido
em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/gcb.16979.
André Julião
Agência FAPESP*
https://agencia.fapesp.br/mudancas-climaticas-podem-levar-a-perda-de-especies-em-mais-de-90-das-comunidades-de-mamiferos-da-caatinga/50015
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