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terça-feira, 31 de outubro de 2023

Aprovado pelo Governo, tratamento contra o AVC segue inacessível à maior parte da população


Há inúmeras enfermidades que carecem de maior atenção no Brasil, e o AVC (Acidente Vascular Cerebral) é uma delas. Além de ser a segunda causa de morte entre a população, o AVC é uma das doenças que mais incapacitam os pacientes fazendo com que dependam posteriormente da Previdência Social. Cerca de 70% dos indivíduos que sofrem um AVC não retornam ao trabalho em razão de sequelas da doença. 

O total de óbitos por Acidente Vascular Cerebral no Brasil foi de 101.965, em 2019; 102.812, em 2020; e 84.426, de janeiro a 27 de outubro de 2021. Estamos falando de um problema social que impacta a vida de famílias, sem contar a saúde, bem-estar e qualidade de vida daqueles que são acometidos por essa doença, que, embora seja mais prevalente em idosos, tem apresentado incidência crescente em adultos jovens. Se é possível tratá-la com eficácia e segurança, por que barramos em burocracias? 

Como sociedade temos muitos caminhos para desbravar com o intuito de reduzir o número de mortes e incapacidade do AVC. A primeira frente de trabalho diz respeito à prevenção. Controle da pressão arterial, obesidade, falta de atividade física regular, dieta desequilibrada, colesterol alto, tabagismo são fatores de risco para o desenvolvimento do derrame, como o AVC é popularmente conhecido. Ou seja, é uma questão de tratarmos os fatores de risco e mudança de hábitos e cabe a cada indivíduo investir no autocuidado, bem como a sociedade médica e autoridades responsáveis investirem em campanhas de conscientização. 

Além da prevenção, é fundamental que as pessoas reconheçam os sintomas desta enfermidade, uma vez que nem sempre o paciente consegue identificar o que está sentindo e depende de alguém que está ao seu lado para identificar os sinais do derrame. 

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) ocorre quando há uma alteração abrupta na circulação sanguínea do cérebro. Ele pode ser isquêmico – quando um vaso sanguíneo no cérebro fica bloqueado devido a um coágulo ou trombo – que é o tipo mais comum e corresponde a 85% dos casos, ou o hemorrágico – quando a artéria se rompe e o sangue extravasa. 

Entre os principais sintomas do AVC isquêmico destacamos a perda da força muscular ou formigamento em uma metade do corpo, a assimetria facial (boca torta), dificuldade para a fala, dificuldade da visão e outros sintomas mais raros, como visão dupla e tontura aguda. Em caso desses sinais, procure imediatamente um serviço de urgência ou ligue para o SAMU 192. A cada minuto sem tratamento ocorre a morte de 2 milhões de neurônios. 

Além de todos os impasses relacionados à doença, que começam na prevenção e terminam no controle do AVC, o país vive um grande gap em relação à disponibilização de tratamentos adequados na rede pública de saúde. Em 2021 a CONITEC, órgão que regulamenta a incorporação de novas tecnologias no SUS, reconheceu a incorporação da Trombectomia Mecânica (TM) como tratamento seguro, eficaz e custo-efetivo contra o Acidente Vascular Cerebral Isquêmico (AVCi). Mas por uma série de impedimentos burocráticos, os pacientes ainda não podem usufruir desse procedimento minimamente invasivo.

Aguarda-se ainda a publicação do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) pelo Ministério da Saúde. De lá para cá, estima-se que 73 mil pacientes deixaram de ser tratados e beneficiados pela TM na rede pública. 

A Trombectomia Mecânica (TM) é um procedimento minimamente invasivo que pode ser utilizado de maneira isolada ou complementar à trombólise medicamentosa, única opção até então disponível na rede pública de saúde e nem sempre eficiente para os casos mais graves do AVCi. Além de segura e eficaz, uma das grandes vantagens da TM é sua maior eficácia no tratamento dos AVCs com oclusão de grandes artérias cerebrais, exatamente aqueles que menos respondem ao tratamento trombolítico.

Outra vantagem é que, em casos selecionados, pode ser utilizada até 24 horas após os primeiros sintomas do AVC com sucesso, enquanto os medicamentos trombolíticos têm uma janela restrita de indicação e sucesso somente até 4,5 horas depois das manifestações iniciais da doença. 

Os resultados da trombectomia mecânica proporcionam também melhor qualidade de vida ao paciente, aumentando a sua capacidade funcional (cognitiva e motora) e dando maior independência no pós-AVC. Estudos apontam ainda que 46% dos pacientes que foram submetidos a essa nova técnica se mostraram independentes após três meses de tratamento, contra apenas 26,5% do grupo que recebeu a trombólise endovenosa (GOYAL, 2016). Em suma, a Trombectomia Mecânica reduz as taxas de incapacitação após um AVC e aumenta as chances de uma boa recuperação. 

Os pacientes precisam ter acesso ao melhor tratamento e cabe à rede pública garantir a disponibilidade do procedimento no SUS o mais breve possível. Não podemos esperar mais tempo, deixando uma parcela significativa da população desatendida. O Acidente Vascular Cerebral merece maior atenção e não pode ser mais negligenciado em nosso país. 

 

Dr. Michel Frudit, neurorradiologista intervencionista, chefe do Serviço de Neurorradiologia Intervencionista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP 


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