Nicolau Maquiavel, filósofo italiano considerado o pai da ciência política moderna, viveu apenas 58 anos. Quando ele morreu, em 1527, o Brasil era uma terra recém-descoberta pelos portugueses, que mal haviam iniciado o processo de colonização.
Quase cinco séculos depois, a obra de Maquiavel
continua a ser estudada e muitos de seus pensamentos seguem reverberando, dado
seu caráter profético em relação a regimes políticos, ditaduras de todos os
gêneros e desmando de políticos.
Boa parte do que escreveu parece ter sido pensado
como um alerta ao Brasil do século XXI e, portanto, merece reflexão.
“Um povo que aceita passivamente a corrupção e os
corruptos não merece a liberdade. Merece a escravidão”, escreveu o filósofo
renascentista. No mesmo sentido, disse ainda: “Um país cujas leis são lenientes
e beneficiam bandidos não tem vocação para liberdade. Seu povo é escravo por
natureza”.
É um recado duro e direto, lamentavelmente ainda
não assimilado apesar de tanto tempo decorrido. O povo brasileiro parece, de
fato, escravizado pela imoralidade pública alimentada pela crise ética nacional
e pela leniência com a qual é tratada a questão.
Ao longo da história, os escândalos se sucedem e,
muito recentemente, o desfecho da Lava-Jato, a maior operação já
realizada contra a corrupção, com a anulação de provas contundentes
(Suprema Corte, em cumprimento ao quanto disposto em lei, agiu de forma
correta, porém, a meu ver, extemporânea) e de condenações confirmadas por colegiados
em segunda instância, pintou um retrato bem realista de como o país enfrenta um
de seus mais graves problemas nacionais. Por estas razões é indispensável que
se torne imprescritível todos os crimes contra administração pública, aliada a
completa revisão da lei da ficha limpa.
A leniência se escancara com a alteração da Lei de
Improbidade Administrativa, obrigando a demonstração do dolo do agente público
para a punição dos malfeitos e, agora, com a movimentação do Congresso Nacional
para anistiar os partidos políticos das multas aplicadas por irregularidades no
processo eleitoral, flexibilizando a lei aprovada pelos próprios parlamentares.
Sabiamente, Maquiavel ainda alertava: “Um povo
cujas instituições públicas e privadas estão em boa parte comprometidas não tem
futuro. Só passado”. O comprometimento a que se refere o autor de “O Príncipe”,
obviamente não é com o zelo na utilização dos recursos públicos, com a ética,
com a moralidade, com a transparência, com o desenvolvimento e com o bem-estar
da população, mas apenas com interesses pessoais ou corporativos.
Esse pensamento se complementa com outra afirmação:
“Uma nação onde a suposta sociedade civil organizada não mexe uma palha se não
houver lucros (vantagens pessoais), não é capaz de legar nada a seus filhos, a
não ser dias sombrios”. Nada mais verdadeiro.
“Uma pátria onde receber dinheiro mal havido a
qualquer título é algo normal não é uma pátria, pois neste lugar não há
patriotismo, apenas interesses e aparências”, ensinou ainda o pensador
italiano. Mais uma reflexão necessária.
A questão é que a sensação de impunidade vai se
sedimentando na sociedade brasileira, transparecendo falsamente que o crime
compensa. A multiplicação dos malfeitos em todas as esferas sem a
correspondente punição apenas serve de estímulo à prática delituosa e ao
afrouxamento moral da população. Banaliza o errado e cria complacência coletiva
em relação ao comportamento reprovável.
E, nesse aspecto, cabe outra lição de Maquiavel:
“Um país onde os poucos que se esforçam para fazer prevalecer os valores morais
como honestidade, ética e honra são sufocados e massacrados, já caiu no abismo
há muito tempo”.
Os mais otimistas dirão que ainda não caímos no
abismo. Se isso é verdade, estamos bem próximos disso. Permeia a inversão de
valores, trazendo à nossa realidade o vaticínio de Rui Barbosa, segundo o qual
chegaria o momento em que o homem desanimaria “da virtude, a rir-se da honra e
a ter vergonha de ser honesto”.
“Uma sociedade onde muitos homens e mulheres estão
satisfeitos com as sórdidas distrações, em transe profunda, não merece
subsistir”, escreveu também Nicolau Maquiavel em seu pensamento crítico do
Estado e da sociedade, como se estivesse olhando para um Brasil que ainda nem
existia como nação.
“Como é perigoso libertar um povo que prefere a
escravidão”, avisava o pensador florentino. E complementava: “Só tenho
compaixão daqueles bravos que se revoltam com esse estado de coisas”.
Os brasileiros precisam resgatar a ética e a
moralidade e estancar a contaminação provocada pela impunidade para que o país
reencontre o rumo de uma nação mais justa, com direitos e deveres
verdadeiramente iguais para todos os cidadãos, sem privilégios de qualquer
espécie – nem foro privilegiado nem aposentadorias precoces e milionárias, por
exemplo -com efetivo combate à corrupção, oportunidades para todas as classes,
e redução das desigualdades regionais e sociais. Para evitar o abismo e se
libertar da escravidão que o acorrenta ao erro e, assim, transformar-se numa
pátria de verdade, com dignidade e orgulho.
O caminho da redenção nacional já foi apontado por
Maquiavel há quase 500 anos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário