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terça-feira, 4 de julho de 2023

Reforma tributária: rumo ao desconhecido

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É preciso que toda a sociedade saiba o que está em jogo na aprovação dessa proposta e dos riscos que sua votação apressada pode representar para o país

 

Pelo que se anuncia, a Câmara dos Deputados deverá votar a PEC 45\19 brevemente, embora somente agora se conheça o projeto que, segundo o relator, ainda pode ser modificado. 

Votar uma Emenda Constitucional sem um amplo debate é um risco muito grande, e o argumento de que ela já foi suficientemente debatida não procede porque o texto apresentado ao Plenário é muito diferente daquele que vem sendo debatido desde de 2019.

O que está em questão não é uma simples reforma da tributação do consumo, como se procura apresentar. Reforma é aprimorar o que existe, com uma ou outra modificação, sem mexer na estrutura do sistema.

A PEC 45 é muito mais do que isso. É uma ampla mudança, uma revolução na tributação que impacta os três níveis federativos. Muda a natureza de um tributo, o IPI, de imposto sobre a produção industrial para o consumo, e faz o mesmo com a Contribuição Social do PIS\COFINS, alterando inclusive o dispositivo constitucional que reserva aos estados e municípios a tributação do consumo.

Talvez a reforma da Índia possa servir de parâmetro, mas com diferenças muito importantes que não permitem comparações, embora possa oferecer algumas lições a serem aproveitadas.

A reforma em discussão no Brasil extrapola a simples alteração dos impostos de consumo, avançando inclusive na questão federativa.

Cria um novo tributo, o IBS, com administração bipartite ou tripartite, na prática, com reflexos negativos sobre a arrecadação dos municípios maiores, sem reduzir suas funções e obrigações. Delega para a Lei Complementar definições importantes sobre o funcionamento do sistema, sem as quais não se pode avaliar o impacto sobre as finanças públicas, sobre os contribuintes e para a economia e sociedade.

Devido à sua concepção, de transferir o peso da tributação entre setores, aceitar algumas alíquotas ou modalidades diferenciadas para algumas atividades não resolve o problema do impacto do aumento da carga tributária sobre os Serviços, porque as concessões que foram feitas para uns, terão que ser pagas pelos outros. 

Também as dificuldades de gestão centralizada do sistema não estão resolvidas. Os dados e simulações apresentadas, embora baseadas em hipóteses, não têm mais validade porque se referiam à proposta original, que foi bastante modificada conforme informou o relator, deputado Agnaldo Ribeiro. Dessa forma, votar a nova proposta sem os detalhamentos e os cálculos necessários se torna uma decisão no escuro, com graves riscos de que, após a Constitucionalização, se verifique que o sistema é disfuncional ou, o que é mais grave, precisa ser mudando estruturalmente, o que exigiria mexer novamente na Constituição.

O problema se torna mais grave porque não existe como avaliar o impacto efetivo das mudanças propostas uma vez que ele dependerá das reações dos agentes econômicos às alterações que os afetam. O que se pode afirmar, contudo, é que a incerteza e a insegurança dos contribuintes, e a complexidade de conviver com dois sistemas, terá reflexos negativos sobre decisões econômicas, tanto nos investimentos, como no emprego.

Curiosamente, as distorções dos impostos visados, que servem de justificativa para a necessidade e urgência da reforma tributária, permanecem durante todo período de transição, agravadas pela convivência de dois sistemas.

Da mesma forma que se defende que simplificação da nova sistemática, quando completada, isto é, após a transição, propiciará o crescimento, pode-se imaginar que a complicação da convivência de dois sistemas, inclusive obrigando o setor de Serviços a escriturar o valor adicionado com o qual não tem familiaridade, deve provocar efeito inverso sobre a economia.

Para completar o cenário de incerteza e de insegurança para os contribuintes, se pretende criar um Fundo de Desenvolvimento Regional bancado pela União, sem especificar de onde sairão os recursos. Como a União é deficitária, e precisa arrecadar valores elevados para cumprir o “arcabouço fiscal”, é certo que os contribuintes vão pagar mais essa conta. A única dúvida, é saber como irão arcar com mais essa fatura.

Existem alternativas. A PEC 46 pode ser um caminho, e outra possibilidade de avanços é procurar corrigir todos os problemas dos impostos atuais, especialmente o ICMS, pela via infraconstitucional, para depois se discutir uma reforma tributária mais ampla do consumo, sem criar ou modificar a natureza dos impostos e as competências federativas.

O texto da PEC apresentado pelo relator tem 29 páginas de citações de artigos, parágrafos e incisos que mesmo os especialistas precisarão de tempo para poder entender e traduzir para os leigos o que efetivamente está escrito, para que todos possam participar das discussões. É preciso, inclusive, avaliar se há necessidade de tantos detalhes serem constitucionalizados, o que pode dificultar eventual mudança que se faça necessária no futuro.

É preciso que toda a sociedade saiba o que está em jogo na aprovação dessa proposta de reforma tributária e dos riscos que sua votação apressada pode representar para o país. Precisa, também, ficar claro para todos, que o que se está discutindo não é apenas uma mudança em um ou mais impostos, mas alterações que podem afetar o equilíbrio do regime federativo, e consequentemente o político.

Os riscos de desorganização da economia são muito sérios, pois se altera a estrutura de preços, se aumenta a burocracia durante a transição, se mantém os problemas inerentes a cada um dos impostos incorporados no IBS, e não se dispõe de dados e informações suficientes para que o Congresso possa votar uma emenda constitucional. 

Parece claro que em uma proposta de reforma que levará oito anos para se concluir para os contribuintes, e cinquenta anos para os entes federativos, despender ao menos 60 dias para análise da PEC não vai mudar a situação do país. Apressar sua votação, no entanto, pode trazer consequências indesejáveis.

 

Marcel Solimeo
Economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo

Fonte: https://dcomercio.com.br/publicacao/s/reforma-tributaria-rumo-ao-desconhecido


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