Desde a reforma administrativa do Estado nos anos 1990, a formação de ajustes entre a Administração Pública e as entidades privadas sem finalidade lucrativa, que compõem o chamado Terceiro Setor, cresceu e se consolidou como uma forma de prestação de atividades de interesse coletivo em áreas como saúde, educação, cultura e esportes, que passaram a contar com maior participação de instituições privadas fomentadas pelo repasse de recursos públicos, fornecimento de servidores e bens estatais.
A
legislação brasileira prevê diversos regimes e instrumentos para esses acordos:
o Contrato de Gestão com as Organizações Sociais, as OS’s (Lei n. 9.637/1998);
o Termo de Parceria com as Organizações da Sociedade Civil de Interesse
Público, as OSCIP’s (Lei n. 9.790/1999); e o Termo de Colaboração, o Termo de
Fomento e o Acordo de Cooperação com a as Organizações da Sociedade Civil, as
OSC’s (Lei n. 13.019/2014). À exceção deste último tipo de ajuste, os demais
possibilitam o repasse de recursos públicos para a entidade executar ações que
pressupõem o interesse de toda a sociedade.
Em
muitos casos, ocorre a transferência de grandes quantias de verba do erário
para o alcance da finalidade do acordo e de suas metas pactuadas. Em linhas
gerais, a lógica seguida é a do repasse financeiro para o desenvolvimento das
atividades, de acordo com estimativas relacionadas aos custos dos serviços
prestados.
Não
há, como nos tradicionais contratos administrativos regidos pelas Leis
8.666/1993 e 14.133/2021, a lógica de que a cada prestação do particular
corresponde uma contraprestação financeira da Administração para remunerá-la.
Nos ajustes com o Terceiro Setor, são transferidos recursos que devem ser
administrados pela entidade para realizar as finalidades da parceria, pois o
seu pressuposto é de que há mútua colaboração entre as partes envolvidas para o
alcance de um mesmo fim.
Justamente
nesse ponto reside o debate a respeito do tipo de controle dos Tribunais de
Contas sobre esses instrumentos, que possuem características peculiares. Seria
essa fiscalização voltada apenas para aferir o alcance das finalidades e das
metas ou haveria a possibilidade de se analisar os custos operacionais e o
emprego dos valores?
Tenho
defendido, há bastante tempo (TCs 025593/026/12 e 032947/026/13), a necessidade
de que o controle sobre essas parcerias recaia não apenas sobre o cumprimento
ou não das metas e finalidades previstas, mas também sobre os custos
operacionais envolvidos na gestão dos serviços, como forma de verificar a
economicidade e a moralidade dessa atuação realizada em prol da coletividade.
Duas razões têm me levado a sustentar esse posicionamento.
Em
primeiro lugar, os valores repassados possuem natureza pública e devem ser
destinados à realização de determinados propósitos sociais, a serem exercidos
de acordo com os princípios da legalidade, moralidade, eficiência,
economicidade, publicidade e impessoalidade.
Assim,
é necessário observar se o ajuste foi construído de acordo com esse conjunto de
normas constitucionais, bem como se os objetivos desse contrato firmado atendem
esses mandados de otimização.
Vale
destacar, ainda neste ponto, que os números envolvidos nos repasses são
consideráveis, conforme dados reunidos no Painel do Terceiro Setor do TCESP[1].
Em 2022, no âmbito estadual, as transferências somaram mais de R$ 15,5 bilhões.
No mesmo período, os 644 municípios jurisdicionados ao TCE-SP, o que exclui a
Capital, repassaram quase R$ 20,3 bilhões.
Em
segundo lugar, não têm sido raros os casos em que os valores repassados são
utilizados de modo divorciado dos princípios citados acima. Verifica-se nas
fiscalizações realizadas pelo TCESP, a título de exemplo: a contratação de
serviços jurídicos ou contábeis de escritórios de pessoas que têm relação de
parentesco com dirigentes das entidades; o registro de profissionais com carga
horária em quantidade mensal a superar as 24h por dia durante todo o período; e
rateio de custos operacionais entre diversos contratos de gestão, sem
individualização ou demonstração mínima dos custos envolvidos em cada um, o que
pode levar à dupla ou tripla remuneração pelo mesmo gasto.
Com
base nesses fatos, entendo que o controle deve incidir para avaliar os custos
operacionais das entidades, para compreender, por exemplo, quais os valores
envolvidos, as bases sobre as quais são calculados, onde e como os recursos
repassados são aplicados, entre outras coisas. Porque, ao fim, são aspectos que
se ligam diretamente à proteção dos valores constitucionais do manejo da coisa
pública, na tutela dos interesses da coletividade.
Dimas Ramalho - Conselheiro do
Tribunal de Contas do Estado de São Paulo
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