Justiça determinou a comprovação da destinação de verba pública enquanto entidades de classe que representam o empresariado tentam legalizar o "esquecimento dos erros do passado"
Após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidir
que a Receita Federal do Brasil (RFB) poderá questionar a destinação dos
valores recebidos à título de incentivo do governo estadual, empresários correm
contra o tempo na tentativa de ajustar a sua contabilidade. Associações
representantes do grupo de empresariado tentam evitar que as fiscalizações
aconteçam, requerendo o “esquecimento dos erros passados” por meio de recurso
chamado Embargos de Declaração.
Os benefícios fiscais são isenções ou reduções
tributárias concedidas às empresas, comumente pelo governo estadual, esperando
que a iniciativa privada destine estes valores no desenvolvimento econômico
regional, através de novos negócios e geração de empregos locais. O problema é
que alguns destes incentivos fiscais vinculavam obrigações à serem cumpridas,
inclusive de projetos e empreendimentos que deveriam ser executados nos termos
da lei.
A discussão no STJ começou, pois alguns empresários
não podiam se conformar com as fiscalizações federais, que passaram a exigir o
pagamento do IR e da CSLL sobre os incentivos governamentais, alegando o não
cumprimento de tais critérios. Então foi travada a secular “guerra fiscal”,
onde estados e empresas sustentam a ausência de legitimidade da União Federal
para fiscalizar benefícios concedidos pelo governo estadual, pois essa conduta
feriria o pacto federativo.
O que as empresas não esperavam era que os
ministros do STJ decidiriam que, constatada a má-destinação da verba pública,
poderá a RFB cobrar os tributos federais sobre ele. Vale lembrar que a RFB tem
o dever legal de informar crimes e desvios de dinheiro para os órgãos
competentes, e é muito comum que os agentes o façam, a despeito das críticas
jurídicas.
“Essa guerra fiscal está longe de acabar, pois a
discussão ainda pode ir para o Supremo. O tema é delicado, pois envolve
questões constitucionais sérias, sendo que o mais indicado é que os
contribuintes se atentem ao cumprimento dos requisitos quando o benefício
fiscal exigir, assim deixarão de ser tributados pelo IRPF e pela CSLL.”,
é o que diz a advogada tributária, Fernanda Brito, que elaborou e
disponibilizou, gratuitamente, um e-book sobre o tema, detalhando o
entendimento da Corte Superior.
Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), “a concessão
de benefícios tributários, financeiros e creditícios representa perda de
receitas ou elevação de despesas orçamentárias para o governo federal. Esses
benefícios atingiram R$ 348,4 bilhões em 2019, sendo R$ 308,4 bilhões de
benefícios tributários e R$ 40 bilhões de benefícios financeiros e creditícios.”
A mesma pesquisa informa que a concessão destes
benefícios vêm sofrendo aumento desde 2003, adquirindo expressividade em 2015,
atingindo 6,7% do Produto Interno Bruto (PIB), e 4,8% em 2019. Como se pode
ver, as verbas fiscais concedidas ao empresariado na nomenclatura de
“incentivos fiscais” têm um impacto direto no orçamento público e no mercado,
já que pode gerar competitividade desleal em prol de pequenos e
microempresários.
“A regionalização dos benefícios, em termos per
capita, demonstra que não foi plenamente alcançado o objetivo constitucional de
reduzir as desigualdades regionais por meio de subsídios. Especialmente no caso
dos benefícios tributários, o Nordeste está muito aquém da média nacional.
Quanto aos benefícios financeiros e creditícios, os maiores valores relativos
foram dirigidos às Regiões Centro-Oeste, Norte e Sul.”, complementa
o TCU, acrescentando que a concessão destes benefícios constituem uma espécie
de gasto público indireto.
O recurso final, apresentado pelas associações
empresariais, demonstra a preocupação dos empresários, que vinham lançando na
conta de reserva lucros todos os valores à título de incentivos públicos,
visando se livrar da tributação federal. Caso o STJ mantenha a decisão, a RFB
estará autorizada a fiscalizar a destinação deste dinheiro, quando vinculada a
obrigação à execução de algum empreendimento e em quais termos. É importante
lembrar que o prazo prescricional para a cobrança de tributos é de 5 anos, mas
o STF já definiu que não há prazo para responsabilização criminal por desvio de
verba pública.
O ebook “Guerra Fiscal”, da advogada tributarista
Fernanda Brito está disponível gratuitamente no link: Fernanda
Brito dos Santos: Guerra Fiscal
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