Lisandra Barbiero
comenta que o bullying adotivo, ainda pouco debatido, tem uma dose maior de
perversidade porque criminaliza a origem genética da pessoa
Quatro em cada dez estudantes foram vítimas de bullying na escola, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de julho do ano passado. De acordo com o estudo, 24% dos alunos disseram que “a vida não vale a pena”. Os principais motivos de chacota e humilhação referem-se à aparência do corpo, do rosto, da cor e etnia. Embora quase nunca seja descrito em pesquisas, o bullying adotivo engrossa as estatísticas.
Na legislação, bullying é definido como todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo. De acordo com o entendimento legal, diversos crimes podem ser praticados por meio do bullying, principalmente nas escolas. Ainda que os menores de idade não cometam crimes, mas infração penal, eles podem ser punidos com medidas socioeducativas previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Um projeto de lei (1333/20) está em tramitação no Congresso Nacional desde 2020 para tipificar como crime o ato de praticar ou incitar discriminação ou preconceito contra criança ou adolescente em razão de sua filiação civil diversa da consanguínea, como a adotiva, a socioafetiva e a decorrente da chamada reprodução assistida heteróloga, quando há doação de sêmen ou de embrião. Ainda não há previsão de quando o projeto será incluído na pauta de votação.
A servidora pública federal, jornalista e escritora Lisandra Barbiero interessou-se pelo tema bullying adotivo por não ter encontrado referências sobre ele na literatura disponível. Ela comenta que os bullyings tradicionais reúnem as características de trazer dor, medo e angústia para a vítima. Segundo Lisandra, o adotivo reúne essas mesmas características, mas tem uma dose maior de perversidade porque criminaliza a origem genética da pessoa, expondo a origem de forma pejorativa, colocando a criança adotada como cidadão de segunda classe, inferior até mesmo dentro da hierarquia familiar.
“Há uma criminalização da genética dessa criança, mesmo após o processo finalizado da adoção. Eu vivenciei isso e outros adotados com quem conversei também, se sentiam muito inferiores dentro da hierarquia familiar, tinham vergonha de contar sua história. Aí vem o medo, a falta de pertencimento da família”, alega Lisandra. Ela diz que o bullying adotivo provoca o sentimento de não fazer parte da família, de não ser amado como deveria e alerta os pais adotivos a manterem o olhar atento sobre os filhos.
“As crianças não têm o arcabouço intelectual que o adulto tem, mas observa e absorve. O que as pessoas às vezes consideram timidez pode ser silenciamento”, afirma a escritora. Adotada aos 7 meses, Lisandra enfrentou um processo traumático de bullying adotivo na escola. Ela conta que descobriu a adoção ao confrontar a mãe porque se viu diferente dos demais membros da família nos porta-retratos espalhados pela casa. Na época, há 30 anos, conta que se sentiu especial quando a mãe disse que ela não tinha sido gerada na barriga, mas no coração.
“Achei aquilo bonito, verdadeiro e me senti especial, nos abraçamos e essa foi a maior confidência de amor entre nós. Eu me senti filha e amada”, lembra. No entanto, ao contar a novidade na escola, a escritora descobriu todo o preconceito que ainda cerca o tema. Ela lembra que quando dividiu a história com os colegas eles não entenderam o que era ser gerada no coração, mas, no dia seguinte passaram a olhar com desconfiança e reprovação. Ao entrar na sala de aula, no quadro verde estava escrito em letra grande: “você foi adotada”.
“Os colegas disseram que eu tinha sido encontrada no lixo, que ninguém me quis, que nunca havia sido amada, que era feia e pobre. Foi um bullying devido à adoção, à história genética. E até hoje não tem ninguém que escreve sobre isso. Que outras crianças não sofrem caladas o que sofri?”. questiona a escritora. Ela comenta que precisou de muitos anos para ressignificar sua adoção.
Lisandra defende que o tema bullying adotivo seja debatido na escola. “A educação precisa ter um olhar voltado para isso”, comenta. Ela é autora de três livros e um e-book sobre adoção. “Não Nascemos Filhos, Nos Tornamos: o amor na adoção sempre vencerá o medo do abandono e do desamor” defende que toda criança, consanguínea ou não, percorre o mesmo processo para se tornar filho, que passa pela convivência diária com a família, pela decisão dos pais de amar, acolher e cuidar dessa criança.
“A Incrível História de Aninha”, volumes 1 e 2, fala sobre a descoberta da adoção, de maneira amorosa, e sobre o que representa passar por esse processo. O e-book “15 Lições de Uma Adotada” foi escrito a partir da experiência da autora, sobre como ressignificou a adoção para moldar-se como pessoa, na forma de construir sua família e de ter amizades.
O objetivo do trabalho literário de Lisandra é
lançar luz sobre o tema adoção. “Quero que mais crianças tenham a oportunidade
que tive, de ser amada, acolhida e ter o aconchego de viver em uma família.
Tenho mãe, irmão, raiz, história. Por mais que as instituições de acolhimento
deem todas as condições para as crianças viverem ali, não é o local adequado
para uma criança crescer. A criança precisa de vínculo, da convivência
familiar, da proteção de uma casa. Quero que mais famílias sejam despertadas
para esse encontro oportunizado pela vida. Quero que mais crianças tenham
oportunidade de terem orgulho da sua história, da sua origem, de se sentirem
amadas e respeitadas pela sua família”, afirma.
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