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segunda-feira, 13 de março de 2023

Quiet quitting e o equilíbrio do trabalho nos setores público e privado


Dentre as mudanças culturais provocadas pela pandemia, uma das mais acentuadas refere-se ao trabalho. Mais do que nunca, evidenciou-se que as empresas e organizações de todos os segmentos, do setor público e privado, têm imensa responsabilidade sobre a saúde física e mental de seus colaboradores. Consolidou-se o conceito, que jamais deveria ter sido negligenciado, de que o ser humano é o fim de tudo, a grande razão de ser de toda a economia, do Estado e do universo corporativo.

O home office, instituído por conta do isolamento social nos dois primeiros anos da eclosão da Covid-19, contribuiu bastante para essas reflexões de nossa civilização sobre a questão laboral. Trabalhando em casa, milhões de profissionais, em todo o mundo, tiveram dificuldade inicial para dimensionar a carga horária. Muitos passaram a trabalhar muito além dos padrões normais, num cenário marcado por insegurança, incertezas econômicas e temor do desemprego.

Como ocorre em todas as mudanças históricas disruptivas, observou-se, com o passar do tempo, uma tendência ao equilíbrio no exercício do home office. Aprendeu-se a gerenciar o modelo. Muitas empresas e organizações o adotaram em caráter definitivo; outras optaram por um sistema híbrido, com dias em casa e outros no escritório; e numerosas retornaram à jornada presencial integral. Cada uma adotou o sistema que mais atende à sua cultura organizacional, estrutura operacional e estratégia produtiva.

Foi nesse cenário de transformações que surgiu o polêmico termo quiet quitting, cuja tradução mais comum é “desistência silenciosa” ou “pedido silencioso de demissão”. A expressão, viralizada nas redes sociais de todo o mundo, expressa o anseio dos profissionais, em especial os mais jovens, de manter uma relação saudável com o trabalho, respeitando determinados limites de esforço e carga horária. É aí que começa a discussão, pois é muito tênue o limite entre o empenho profissional máximo, o que se configura excesso ou negligência no trabalho, e o empenho mínimo na atividade profissional.

Dimensionar de modo adequado essa medida é crucial para se estabelecer valor semântico, positivo ou negativo, a quiet quitting. Se entendermos a expressão como um limite de bom senso ao trabalho abusivo e excessivo, o conceito é absolutamente correto; se a interpretarmos como sinônimo de “corpo mole” e do mínimo esforço, estaremos diante de algo nocivo, não apenas para o trabalhador, que acaba se prejudicando, como para a empresa.

Seja presencial, em home office ou híbrido, o trabalho deve ser marcado por uma interação justa entre empregador e os colaboradores. Nessa relação, ambos devem atuar com o máximo empenho, responsabilidade e sinergia pelo bem comum da organização, cujo propósito final, no mais contemporâneo conceito, é prover condições dignas de vida aos seus funcionários, sócios, diretores e acionistas, bem como à sociedade. O mesmo se aplica às organizações do setor público.

Obviamente, não há espaço para trabalho excessivo/abusivo em termos de volume e carga horária, pois isso de fato conspira contra a saúde física e mental. Porém, todos devem considerar as emergências, crises e situações inusitadas, que exigem um empenho extra pontual dos profissionais em determinados momentos. Tais situações contingenciais não significam extrapolar a fronteira do razoável, mas sim expressar o comprometimento com a organização e todo o time diante de uma emergência. São situações de exceção.

No cotidiano, cabe a cada profissional, em linha com suas ambições pessoais, capacidade física e mental, definir seus próprios limites, considerando sempre seu bem-estar e saúde, assim como de sua família. Às empresas e organizações compete a responsabilidade de estabelecer normas de conduta, dimensionar atribuições e volume de trabalho para cargos e funções, de modo a garantir um processo operacional produtivo, eficaz, saudável e respeitoso ao ser humano. Quando prevalece o bom-senso e o equilíbrio entre esforço profissional e o trabalho abusivo no campo laboral, discutir conceitos como quiet quitting torna-se mero exercício retórico.

 

Artur Marques da Silva Filho - desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, é presidente da Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo (AFPESP).


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