Nós, mulheres, vivemos, no passado, momentos complicados de exposição pública no universo da propaganda. Contudo, é notável uma caminhada nos últimos anos, especialmente pela emancipação das questões femininas na sociedade e pelo avanço das lutas do próprio feminismo: dados da Fundação Getúlio Vargas apontam que, entre 2014 e 2019, a taxa de participação feminina no mercado de trabalho cresceu continuamente e chegou a 54,34% em 2019, recuando para 51,58% em 2020, com a pandemia, com uma leve melhora em 51,56% em 2021. Embora haja oscilação, há sinais mais fortes de uma maior e necessária participação da mulher na economia que acresce o seu poder de compra. E isso se reflete no marketing das propagandas sobre as próprias mulheres.
Um dos termômetros que também medem essas mudanças
está nas propagandas de cerveja, que deixaram de lado a visibilidade a bumbuns
sarados de mulheres exuberantes, como objetos sexuais desprovidos de
inteligência, e colocaram mulheres como consumidoras da bebida – a mulher mais
real tomando cerveja com as amigas, embora ainda haja, sim, um toque sensual.
Mas, afinal, era mais do que na hora desta mudança
ocorrer pois as mulheres são consumidoras de cerveja também! Como os números
atestam, conforme a Consumer Insights, o terceiro trimestre
de 2021 atingiu o maior número de consumidores da bebida desde o terceiro
trimestre de 2019, com alta de 27%. E foram justamente as mulheres de 40
a 49 anos pertencentes às classes A e B que mais contribuíram para esse
aumento.
No entanto, no rastro das cinzas do Carnaval, no
ano de 2015, indo na contramão dessa tendência, uma grande indústria cervejeira
espalhou banners pela cidade de São Paulo no Carnaval com frases sexistas como,
por exemplo, “esqueci o não em casa” dando a entender que as mulheres
nesse período seriam presas fáceis para os assediadores. Obviamente, essa ação
foi rejeitada e criticada por várias pessoas, levando a empresa a tirar a
propaganda das ruas gerando muita repercussão negativa para a empresa. Já
faz alguns anos que o fato aconteceu, mas nos lembra que esses problemas ainda
acontecem na sociedade.
Porém quanto mais “viajamos” no passado das
propagandas, mais bizarrices encontramos. Na década de 1940, era comum as
mulheres serem retratadas ajoelhadas servindo seus maridos. Inclusive, em 1949,
havia uma marca de camisa alemã que fez uma campanha mostrando uma mulher sendo
agredida: ela estava deitada no colo do marido enquanto levava uns tapas. Ou
seja, a mulher era retratada como se fosse um ser submisso, com o marido dono
dela podendo fazer o que bem entendesse com a esposa. Depois, a mulher foi
paulatinamente se transformando em um objeto de sensualidade, como podemos
acompanhar com evidência nos anos 1990 e início dos anos 2000, principalmente
no setor cervejeiro, como já comentado.
Outro setor que se transformou e está mais
atualizado é o automobilístico, que enfim parece ter percebido que as mulheres
também dirigem e compram carro. Até pouco tempo atrás, era raro ver mulheres
pilotando carro em propagandas de automóveis. Contudo, recentemente, as
empresas estão se posicionando de forma diferente. Em 2021, a Chevrolet fez uma
propaganda retratando várias mulheres bem-sucedidas, como chefs de cozinha e
pilotos de avião, mostrando que “elas pilotam o que bem quiserem” rebatendo aquela
antiga frase machista dirigida às mulheres no trânsito para largarem o carro e
irem “pilotar um fogão”.
O que percebemos com esse movimento é que a mulher
passou, finalmente, da mera objetificação pelas propagandas e o marketing, para
uma posição protagonista, muito em função do seu poder de consumo e opinião.
Nessa caminhada, as próprias mulheres passaram a fazer marketing para outras
mulheres, o que também explica em parte essas mudanças, considerando um novo
olhar no mercado.
Por sua vez, as gerações atuais não toleram mais
serem retratadas num enquadramento de subalternidade ao homem. Se a mulher do
passado não tinha tanta voz, a atual vai para as redes sociais reclamar, se
incomoda, viraliza posicionamentos e cancela marcas que julga não estarem de acordo
com seus valores.
Outra questão importante em relação a mulher na
propaganda é que comumente ela é retratada com um padrão inatingível de beleza:
muito magra, sem imperfeições, extremamente produzida e com imagens tratadas
por photoshop para ficar ainda mais bonita. Mesmo sendo uma
pessoa irreal, suas imagens venderam durante muito tempo, influenciando todo
mundo.
Contudo, as empresas passaram a se preocupar com
essa representação, porque as mulheres em geral não se viam nessas modelos
perfeitas. Assim, diferentes formatos de corpo, cor de pele e tipo de cabelo
surgiram e agora povoam a nossa mente, nos aproximando de um mundo mais
palpável. Nessa linha, percebemos movimentos contra o ageísmo (que expressa
preconceito com pessoas em razão da idade), por exemplo, em propagandas de
cosméticos, que forçaram as empresas a colocar modelos mais reais e mudar um status quo
poderoso, no qual por muitos anos apenas modelos jovens anunciavam produtos antiage.
Isso é uma vitória: proporcionar de fato uma representação mais justa e
fidedigna das mulheres
Assim, não só a indústria cervejeira ou
automobilística, mas outros segmentos tiveram que se adaptar aos novos tempos,
e o marketing, claro, vem junto, sendo mais responsivo e realista, porque tudo
está interconectado. O que é ótimo, inclusive, para a saúde mental de nós,
mulheres reais.
Professora Shirlei Camargo – Reconhecida pela excelência acadêmica e atuação no mercado profissional,
a Professora Shirlei Camargo conta com habilidades que a diferenciam ao aliar
conhecimentos da ciência do marketing e empreendedorismo. É mestre e doutora em
Marketing pela UFPR, com formação em Design e especialização na FAE Business
School. Também atua como palestrante e consultora, estabelecendo pontes entre
as mais diversas abordagens para o mercado consumidor. Atualmente, ministra
aulas junto aos cursos de Administração e Ciências Contábeis da UFPR, faz
mestrado em Neuromarketing na Escuela Superior de Comunicación y Marketing
(ESCO), da Espanha, e foi professora do Centro Universitário Internacional
(Uninter). Publica artigos científicos e para imprensa e, entre seus trabalhos
acadêmicos, foi premiado pela Emerald Literati Awards de 2019. É coautora dos
livros “Introdução ao Neuromarketing: desvendando o cérebro do consumidor”, “O
cidadão é rei!: marketing e atendimento em serviços públicos” e “Varejo
Digital 5.0”, ambos de 2022. Já passou por empresas como grupo Boticário
(previsão de vendas) e Record Internacional (ministrando treinamentos).
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