O período eleitoral que se avizinha traz novamente à tona uma questão fundamental para o país: se o Brasil deseja ser uma nação com democracia verdadeiramente representativa, precisa rever algumas questões do sistema eleitoral atual que mascaram o desequilíbrio da disputa e dificultam a oxigenação política.
Vamos aos fatos. O Fundo Partidário destina, este
ano, R$ 1,06 bilhão a ser dividido entre as 33 legendas. Além disso, teremos em
2022 mais R$ 4,9 bilhões de Fundo Eleitoral. Ocorre que do Fundo Partidário
apenas 1% é dividido igualmente entre as legendas que recebem, individualmente,
R$ 10,6 milhões. Os outros 99% são distribuídos proporcionalmente à bancada
parlamentar de cada partido. No Fundo Eleitoral, essa proporção é de 20% para
80%, ou seja, R$ 980 milhões rateados igualmente entre os partidos e R$ 3,29
bilhões divididos proporcionalmente às legendas de acordo com o número de
parlamentares eleitos para o Congresso Nacional. O mesmo critério – tamanho da
bancada – é utilizado para a distribuição do tempo no rádio e na televisão no
horário eleitoral.
Sem entrar no mérito das razões que originaram tais
critérios, é nítido que tal fórmula criou distorções prejudiciais à democracia.
Primeiramente porque confere e delega um enorme poder aos presidentes e
dirigentes dos partidos, em cujas mãos ficam orçamentos generosos para
distribuição discricionária. Ademais, porque dá a alguns candidatos mais
facilidade de acesso aos recursos financeiros e ao tempo de rádio e tevê.
Por outro lado, acaba também facilitando a
reeleição porque confere aos detentores de cargos poderes que a legislação
eleitoral não é capaz de frear apesar das limitações temporais que impõe,
proibindo determinados atos no período eleitoral. Não impede, por exemplo, a
concessão de reajustes salariais para determinadas categorias mais numerosas,
nem farras fiscais para o favorecimento dirigido, seja por meio da redução de
tributos, incentivos e renúncias fiscais, seja por subsídios e financiamentos
via bancos oficiais, em datas bem próximas dos limites legais.
O voto no Brasil ganhou sentido monetário. Não por
acaso os partidos investem mais nos chamados puxadores de votos: seus
parlamentares que já possuem mandatos ou artistas de forte apelo popular. Esses
são peças fundamentais para a conquista de mais cadeiras legislativas e, com
isso, maior participação nos fundos partidário e eleitoral, retroalimentando um
sistema nefasto à representatividade verdadeira porque representa um grande
obstáculo para estreantes na política partidária e eleitoral, dificultando a
renovação.
Tudo favorece os mandatários da hora, cria
obstáculos para o ingresso de novos candidatos e ainda fomenta a concentração
de poder nas mãos dos dirigentes partidários. Nesse cenário, ninguém consegue
viabilizar uma candidatura aos governos estaduais ou à Presidência da República
sem garantir excepcional relação com os presidentes dos partidos ou das
federações partidárias, novidade recém-criada e que nasce incapaz de impedir
alianças costuradas, na maior parte das vezes, sem um único fio de compromisso
programático.
Os recursos bilionários dos fundos partidários e
eleitoral, contrastando com a falta de recursos para investimentos em áreas
prioritárias à população, são outra anomalia. Justificam, em boa medida, o
absurdo número de partidos políticos no Brasil – mais de três dezenas -, alguns
dos quais dominados desde sempre por velhos caciques. Outro exemplo de
privilégios, financeiros e de poder, que são mantidos no país, acentuando as
desigualdades e sugando os cofres públicos.
Sem mudanças profundas no sistema, o eleitor
brasileiro continuará assistindo à junção temporária de legendas e de
candidatos que até pouco tempo se atacavam violentamente em discursos
inflamados, perguntando-se se tais políticos lançaram falsas acusações antes ou
se tornaram mentirosos agora.
O Brasil não pode ser conduzido por corruptos, por
desonestos, por quem promete e não cumpre, por quem torna elásticos os valores
éticos e morais por conveniência eleitoral, por quem não tem qualquer
compromisso com a verdade, com o zelo pelo dinheiro público e com o atendimento
das necessidades de sua população. Esse risco existe e permanecerá se o sistema
não for aperfeiçoado.
Samuel
Hanan - engenheiro com especialização nas áreas de
macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002).
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