“Dr., marquei consultas com clínico geral, cardiologista, endocrinologista e ginecologista para fazer um ‘check-up’ completo e saber como está minha saúde geral.”
Muitas vezes, somos procurados pelos pacientes com essa demanda, sendo um dos
motivos mais frequentes em consultas no centro médico. O sentimento expresso na
fala acima pode ser o ponto de partida para explicarmos de que forma um médico
de família pode ajudar seus pacientes a cultivarem e manterem a saúde ao longo
de todas as fases da vida.
Nesse aspecto, quantos destes possíveis problemas podem ser corretamente
diagnosticados e tratados através de uma consulta convencional de “check-up”?
Quando me refiro à consulta convencional, faço referência àquela avaliação
objetiva no consultório médico, com duração média de 15 a 20 minutos, composta
de entrevista clínica sucinta, exame físico e alguns pedidos de exames
complementares, como dosagem de colesterol, glicemia, teste ergométrico,
endoscopia e demais exames frequentemente realizados hoje em dia.
As queixas mais comuns que levam uma pessoa a procurar um médico, como, por
exemplo, fadiga, dor de cabeça, insônia, ansiedade, dores musculares e
articulares, perda de apetite, dor abdominal, alterações intestinais e tantas
outras, podem ter diversas causas.
Um mesmo quadro de diarreia e dor de cabeça, por exemplo, pode ter causas muito
diferentes, como apenas o estresse desencadeado por um problema familiar, ou
excesso de trabalho em home office, até mesmo o câncer ou complexas doenças
autoimunes. E, na maioria das vezes, o correto esclarecimento dessas condições,
ou do risco efetivo de uma pessoa adoecer, não poderá ser realizado por meio de
uma bateria de exames, até mesmo pelos mais completos.
Isso nos leva a algumas questões importantes. Quais os riscos de se ampliar as
baterias de testes para exames mais específicos e numerosos, expondo os
pacientes à radiação das tomografias, à sedação dos exames endoscópicos ou ao
trauma tecidual das biópsias?
E quanto às limitações de interpretação destes
exames que, por muitas vezes são inconclusivos e levam a solicitação de mais
exames? Sem mencionar os custos deste modelo de abordagem, que torna o acesso à
saúde um desafio, mesmo aos grupos de maior poder aquisitivo.
Ainda, em tempos de pandemia da Covid-19, todos os
cuidados neste sentido são redobrados, uma vez que os pacientes deixaram, por
um longo período, de fazer os acompanhamentos necessários. Nesse aspecto,
torna-se fundamental garantir a segurança do paciente.
Então, como ir além do check-up? Qual subespecialidade consultar? Quais exames
mais específicos solicitar? Hoje, entendemos que tanto o adoecimento quanto a
recuperação e a manutenção da saúde dependem de uma delicada e complexa relação
entre a bagagem genética do indivíduo, sua história de vida, seus hábitos
atuais e o ambiente onde vive.
Ou seja, para tomar as melhores decisões e ter os melhores resultados é preciso
ir além e conhecer a pessoa, o ser humano por trás do paciente (em toda a sua
complexidade). E esta não é uma tarefa simples. Não pode ser realizada em uma
única consulta e requer muito conhecimento, treino e experiência. É justamente
neste ponto que entra o médico de família.
A Medicina de Família é a única especialidade médica que se propõe a entender
amplamente e cuidar do paciente em todas as fases da vida, considerando o
ambiente familiar e todos os demais contextos sociais, culturais e ambientais
que impactam a saúde. Atua desde o planejamento familiar e a vida intrauterina,
passando pela infância, o início da vida adulta, auxiliando no envelhecimento
saudável e, até mesmo, com os cuidados na finitude da vida.
Para se tornar médico de família, após concluir a graduação, o médico necessita
completar de 2 a 3 anos de residência, passando por treinamento em diversas
áreas médicas e em todas as modalidades de assistência: ambulatorial,
domiciliar e hospitalar.
Esse especialista é treinado para oferecer ao seu paciente os cuidados básicos
para a prevenção e tratamento das principais condições de saúde relacionadas a
todos os órgãos e sistemas do corpo, como, por exemplo, prevenção e tratamento
inicial das principais doenças cardiovasculares, do diabetes, de doenças
neurológicas como cefaleia e acidente vascular cerebral, condições relacionadas
à saúde mental como ansiedade e depressão, além de cuidados básicos com o
desenvolvimento da criança, do adolescente, com a saúde da mulher e a promoção
do envelhecimento saudável.
Vale frisar que a proposta não é substituir a atuação de outros especialistas
que cuidam do paciente, e sim agregar ao cuidado uma compreensão global da
saúde que vai além do escopo de uma doença ou de um órgão específico, ajudando
a coordenar o cuidado, facilitando e otimizando a atuação dos diversos
especialistas, preenchendo eventuais lacunas que não tenham sido abordadas e
ajudando a conciliar tratamentos e estratégias traçadas por outros médicos.
Mais do que investigar o que acontece com o organismo do paciente no momento da
avaliação, o médico de família segue seu paciente ao longo de todas as fases de
sua vida, construindo uma relação sólida e um entendimento sobre a totalidade
daquela pessoa que vai se aprofundando com o tempo. Assim, permite definir, com
cada vez mais clareza, o que realmente importa para sua saúde, ajudando seu
paciente a fazer as melhores escolhas, de um modo que nenhum exame complementar
ou recurso tecnológico jamais poderá fazer.
Dr. Ricardo Zanardi - médico especialista em
Medicina de Família e Clínica Médica na Rede de Hospitais São Camilo de São
Paulo.
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