Perguntas e respostas sobre Atraso na Fala
1. Com que idade, em geral, a criança começa a falar? E o
que costuma acontecer em cada idade em relação à fala?
Há alguns marcos de desenvolvimento que podem ajudar. A
partir dos 6 meses, o bebê balbucia bastante, faz contato visual e
reage aos gracejos dos pais. Entre 9 e 12 meses, ele está na fase de
lalação e fica fazendo sons duplicados de cvcv (c=consoante e v=vogal) como,
“mamamama”, “papapapapa”, “dadadada” etc. Por volta dos
12 meses inicia as primeiras palavrinhas, geralmente "mamã"
ou "papa". E, a partir de então, a criança começa a “pegar o ritmo”,
chegando aos 18 meses com um vocabulário que inclui, em média, 30
palavras – mal pronunciadas e imprecisas, mas ainda assim estáveis e recheadas
de sentido. Ao completar 2 anos, a criança terá um vocabulário médio de 150
palavras e começará a formar frases simples, como "qué àga" (quero
água) ou "dá bó" (dá bola). Se inicia uma fase de fala telegráfica,
em que o bebê seleciona os elementos mais importantes das sentenças e os
seleciona para se expressar oralmente, ainda com palavras mal
pronunciadas. Já entre os 2 e 3 anos a criança trabalha muito na
construção dos processos motores de fala e suas transições. Com isto, as
palavras vão ficando de melhor entendimento e as frases mais completas, já que
com melhor fala a criança se dedica à construir seus conhecimentos de gramática
e a usá-los. Aos 3 anos, uma criança pode ser compreendida por um adulto fora
de seu convívio sem "tradução" dos pais e suas frases contém
praticamente todos os elementos. Erros com pronomes e conjugação verbal e
flexão ainda ocorrem e são não apenas esperados, como parte importante do processo
de reflexão sobre a língua. Aos 5 anos, a criança conclui a aquisição de todos
os fonemas da língua portuguesa, tem grande poder de comunicação, persuasão,
inferência e consegue contar uma história ou um fato ocorrido com detalhes. O
aprendizado, é claro, não para por aí. Mas basicamente este é o processo de
aquisição da linguagem e desenvolvimento da fala trazido de maneira resumida e
simplificada. O que fugir disso em cada etapa deve ser avaliado por um
profissional fonoaudiólogo.
2 - Quando um atraso na fala ou no desenvolvimento da fala deve ser motivo de
preocupação para os pais?
A criança não aprender a falar no tempo certo pode ser um
simples atraso que será recuperado espontaneamente, com ajuda ou sem ajuda,
pode ser um atraso moderado que precise de ajuda para recuperar bem, ou pode
ser um transtorno sério. Mas só é possível saber ao certo o que é por meio de
avaliações e acompanhamento. Então, toda vez que os pais ou responsáveis
decidem esperar, estão colocando em risco o desenvolvimento dessa criança. Os
primeiros três anos de vida são muitos importantes para o desenvolvimento da
fala e aquisição da linguagem. São períodos de janela de oportunidade
neurológica. E são segundo estudos o melhor momento para se iniciar uma
intervenção. Então, quando isso não acontece no momento oportuno, a janela se
fecha. Isso não significa que não vão aprender a falar, mas que não vão
conseguir falar com tanta facilidade ou maestria ccomo se tivessem recebido
suporte adequado.
Um dos principais erros que os pais cometem é achar que a fala
vai brotar do nada, espontaneamente. Um ambiente estimulador, com conversas,
brincadeiras e bebê incluído nas atividades da família, se o bebê tiver
condições geneticamente falando ele vai desenvolver naturalmente. Mas o estilo
de vida moderno favorece muito um estilo de vida que não é muito estimulador.
São crianças em apartamento que ficam em frente a uma TV ou tablet, com
chupeta na boca. Não tem como essa criança aprender a falar. Ela não está
inserida em contexto social, em conversa, em diálogo. Não tem um adulto que
está ali mostrando as coisas para ela e falando o nome das coisas. Ou seja, a
fala surge sem esforço, quando a criança tem potencial genético para isso, mas
é preciso um ambiente que também a estimule. Essa coisa de achar que cada
criança tem seu tempo é lindo e em parte verdadeiro, mas não pode esperar
muito. E quem vai definir quanto é esse muito e quando é a hora de iniciar a
intervenção é o terapeuta, levando em conta a opinião e sexto sentido dos pais
mas com muita ciência pautando esta decisão. Os pais podem e devem acompanhar
os marcos de desenvolvimento, uma tabela bem elabora se encontra no carteirinha
de vacinação fornecida pelo ministério da saúde, mas se o desenvolvimento não
estiver cabe procurar um especialista.
3 - É verdade que a chupeta pode atrapalhar o desenvolvimento da fala das
crianças?
Do
ponto de vista da fonoaudiologia, além de causar problemas musculares e
estruturais, a chupeta pode funcionar como um botão de mudo. Isso acontece com
alguma frequência e deve ser evitado. O item não deve ser usado para calar um
choro, por exemplo. A nossa função é acolher os sentimentos dos nossos filhos,
validá-los e ensiná-los por meio de exemplos acolhimento e palavras.
Um
pai ou uma mãe coloca a chupeta numa criança quando ela está impaciente,
entediada ou triste e acaba não deixando que seus pequenos lidem com os
próprios sentimentos, engolindo as palavras, com a boca tampada pela chupeta
Esse
acessório tem a facilidade de calar as expressões de sentimentos dos bebês e
podem roubar o direito de expressão, impedindo seu posicionamento como falante.
4 - Celular, tablet e TV podem atrasar o desenvolvimento da fala das crianças?
"A tela está para a linguagem assim como a bala está
para a nutrição, distrai, mas não alimenta". Eu assino esta frase com
muita tranquilidade. Muitos estudos robustos estão sendo iniciados no tema e os
resultados trarão muita luz para a causa nas próximas duas décadas. Não, as
telas NÃO estimulam a linguagem do bebê! Já pressinto pessoas rangendo os
dentes e digitando: “Mas meu filho assiste mil horas de TV por dia, dorme
abraçado com o tablet e fala tudo”. Não justifica! Assim como o fato do meu
bisavô ter sido fumante a vida toda e ter morrido aos 90 tendo força e
sobriedade não transformam o cigarro em um fortificante, não dá pra interpretar
desta forma. Este prejuízo causado pelas telas já é praticamente um consenso
nas comunidades científicas. Os estudos mostram que crianças menores de 3 anos
não conseguem pegar uma informação assistida numa tela e transpor para a vida
real e ainda são privadas de estímulos que realmente têm o potencial de
alavancar seu desenvolvimento por estarem absorta nas telas por grande parte de
seu dia. A recomendação da Academia Americana de Pediatria é 0 tela até os 2
anos e até no máximo uma hora de 2-5 anos de programas de alta qualidade com os
pais assistindo junto e ajudando as crianças a entenderem o que estão
assistindo. Para cada 30 minutos a mais diário de tela existe o aumento de 49%
de chances da criança apresentar um atraso expressivo na fala. “Ah, mas na
minha infância eu assistia TV à vontade!”. Ok, mas vc não levava a tv para a
cama, para o carro, para o restaurante, para a sala de espera do dentista. Não!
Vc era obrigado a interagir com as pessoas ao seu redor, e seus pais eram
obrigados a conversar com vc. “Ahhh, mas vai dizer que vc nunca deixou a sua
filha ver telas?” Com certeza eu não desligo a televisão quando ela entra na
sala e os outros dois estão assistindo um desenho animado, mas eu também não
sento ela e coloco um tablet na frente, ela brinca com os brinquedos, explora o
ambiente e nem dá atenção à TV. Da mesma forma eu não impedi que minhas
crianças comessem qualquer tipo de doce antes dos 2 anos eventualmente mas sem
sombra de dúvida não fazia parte da rotina nem da dieta deles. O problema não
está na exceção e sim na regra, na rotina. Meu conselho: tome as rédeas da
situação e decida conscientemente SE e QUANTO de telas suas crianças vão ter
acesso e mais importante do que isso quando vão sentar juntos e interagir,
brincar e conversar!
5 - A dificuldade de falar pode ser sinal de algum outro problema?
Existem causas que acarretam em atraso de fala, indo de
que algo muitas vezes não se imagina como perda auditiva parcial, até falta de
estímulo, encurtamento de frênulo lingual e dificuldades de mastigação.
Alguns desafios ou transtornos sensoriais e motores também podem causar atraso,
bem como transtornos conhecidos e bem delineados de fala e linguagem
específicos ou mais invasivos, questões mais raras como síndromes, questões
neurológicas relacionadas ao desenvolvimento, a acidentes ou mesmo que envolvam
situações do nascimento e perinatais, algumas doenças infecciosas como a
meningite por exemplo, alguns tipos de epilepsias não controladas e etc.
Existem inúmeros fatores que causam atraso de fala. Existem atrasos simples de
fala que dos quais a criança se recupera muitas vezes até espontaneamente. Não
é porque a criança apresentou um atraso que necessariamente a criança terá um
transtorno a partir dali. Mas existe uma porcentagem que terão um transtorno e
esse atraso é um sintoma. E dentro os quadros que dizem respeito a linguagem, o
TDL é um que tem grande prevalência. E o autismo também.
Juliana Trentini -
fonoaudióloga especializada em primeira infância , autora
do Canal Fala Fono, do livro “Aprendendo a Falar” e do
curso Fala Bebê.
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