No mês em que se comemora o Dia das Crianças (12/10), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) inaugurou os trabalhos do Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário. O objetivo é aproximar o Judiciário da sociedade, para poder propor ações de combate às violações de direitos humanos contra minorias e vulneráveis, entre elas, as crianças.
Assassinato, violência sexual, física, moral, abandono e evasão
escolar atingem meninos e meninas, em todo o país, especialmente nos últimos
meses, em razão da pandemia do novo coronavírus (Covid-19). Pesquisa do
Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, aponta que 56% das violações
de direitos de crianças e adolescentes ocorreram, em 2019, na casa da vítima.
Em quase 70% desses registros, foram relatadas violações diárias.
Esse ano, o número de registros foi menor. Mas, acreditam os
especialistas, o motivo não está na redução da violência, mas na falta da
presença dos professores e colegas. “Temos crianças vivendo em situações de
muita vulnerabilidade, em casas de apenas um cômodo, convivendo com adultos
agressores. E, dentro de casa, eles estão ainda mais suscetíveis. São muitos
desafios simultaneamente”, afirma Cláudia Costin, diretora do Centro de
Políticas Públicas em Educação da Fundação Getúlio Vargas, e uma das
especialistas convidadas a participar do Observatório.
Abandono escolar
Na casa da baiana Mariene Costa da Silva, moradora de um bairro
rural na cidade de Santo Antônio do Descoberto (GO), a 42 km de Brasília, ela e
os dois filhos dividem a casa, de dois cômodos, com o avô e um tio. A mãe
empresta seu telefone à caçula, de 9 anos, para que acompanhe as aulas virtuais
que a rede pública do DF tem disponibilizado.
Não tem sido fácil para a menina acompanhar o ritmo. “Quando estou
em casa, ela pode estudar por meio do meu celular. Mas quando saio pra
trabalhar, levo ele comigo e ela fica sem aula”, conta Mariene, que não pode
deixar de trabalhar presencialmente, pois é diarista.
Sem trabalhar, não há quem bote comida na mesa. O filho, de 17
anos, reclama da má qualidade do celular, da Internet sempre oscilante e do
barulho que os parentes fazem. Assim como muitos adolescentes, Thiago luta com
a falta de concentração e com as difíceis condições materiais para estudar
on-line.
“Eu fico triste por eles, mas não consigo ajudar. Tentei ensinar,
mas não consigo. Tenho pouco estudo. Meu medo é eles quererem largar os
estudos, que nem eu fiz”, preocupa-se a mãe, revelando um medo bem real para os
padrões brasileiros. Pesquisa recente feita pela Organização das Nações Unidas
para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) em parceria com a Conselho Nacional
de Juventude revelou que jovens de 15 a 29 anos cogitam não continuar os
estudos quando a pandemia da Covid-19 acabar.
Na primeira reunião do Observatório de Direitos Humanos, realizada
na última terça-feira (6/10), o presidente do CNJ, ministro Luiz Fux, abordou a
relação da pobreza e da desigualdade de renda como fatores responsáveis pelas
elevadas taxas de abandono e atraso escolar entre os jovens de 15 a 17 anos.
Fux citou pesquisa do IBGE, com dados de 2018 sobre o índice de
abandono à escola. Enquanto 12% dos jovens pobres de 15 a 17 anos não
concluíram o ensino médio, entre os jovens mais ricos esse percentual era de
apenas 1,4%. “Apesar dos significativos avanços, os indicadores mostram que há
ainda muito por fazer para que os direitos preconizados no Estatuto da Criança
e do Adolescente sejam uma realidade para todas as crianças e adolescentes.”
Para Cláudia Costin, que também participou da reunião on-line, o
abandono escolar pode ser uma das piores consequências da pandemia. “Não
concluir o ensino médio é reduzir a chance de um bom emprego. É um preço muito
alto a se pagar”, afirma a educadora. Ela cita um outro ponto fundamental da
ida dos estudantes à escola: o acesso à rede de proteção social que os colégios
públicos ativam, quando necessário. “Bons educadores reconhecem quando uma
criança está em sofrimento. E, quando eles deixam a escola, ficam mais
vulneráveis às violências externas.”
Trabalho Infantil
A especialista acredita no poder de ressonância do Observatório,
ao repercutir casos e ajudar a propor saídas. “A sociedade precisa sair da apatia.
É nosso dever criar, gerir, acompanhar a aplicação de políticas públicas sérias
e urgentes, para que o impacto da pandemia não comprometa o futuro desses
jovens e de todo o país. O combate à erradicação do trabalho infantil, por
exemplo, é um dos pontos fundamentais desse trabalho. Dados oficiais revelam
que há quase um milhão de crianças em condições de trabalho infantil.”
A erradicação do trabalho infantil é um compromisso assinado
voluntariamente pelo governo brasileiro com as Nações Unidas e tem prazo para
terminar: 2025. Esse também é um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU.
O Observatório é um órgão consultivo, que conta com lideranças da
sociedade civil e magistrados, com experiência na área de combate às violações
de direitos. Ele promove a articulação do Poder Judiciário com instituições
nacionais e internacionais que atuem na defesa dos direitos humanos,
estabelecendo parcerias para intercâmbio de informações, experiências e
projetos. Essa cooperação busca gerar propostas de medidas concretas para o
aprimoramento da ação do Poder Judiciário.
Regina Bandeira
Agência
CNJ de Notícias
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