A
realidade das penitenciárias brasileiras é preocupante. A população carcerária
cresceu muito nos últimos tempos. Há pouco mais de dez anos, o Brasil era o 4º
(quarto) país em população carcerária e, atualmente, ocupamos o 3º (terceiro)
lugar. A quantidade de presos que vivem nesses locais praticamente dobrou,
passando de aproximadamente 400 mil para mais de 725 mil entre os anos de 2006
e 2016[1].
Esses dados nos indicam que ficamos atrás apenas dos Estados Unidos (2,1
milhões) e da China (1,6 milhão) em população carcerária.
Um
dos grandes problemas no sistema carcerário brasileiro são as rebeliões que
acontecem nos presídios, delegacias e unidades prisionais. Vários são os
fatores que influenciam esse tipo de ação que, sem sombra de dúvidas, termina
em resultados nunca ideais para situações de conflito, sobretudo quando envolve
presos de facções criminosas divergentes.
Não
é de hoje que os presos detêm o controle dentro das unidades penais, inclusive
por intermédio de aparelhos celulares, o que possibilita o contato e a
articulação de ações internas ou externas. Entretanto, a fiscalização e a
punição disciplinar e penal não impedem a entrada desses aparelhos nas prisões,
por diversos meios. A posse do celular proporciona a execução de ações
diversas, dentre elas as articulações e ordens de execução, inclusive para as
rebeliões.
Quando
se fala em rebeliões os motivos mais comuns têm relação com a superlotação
carcerária, com a alimentação deficitária ou de má qualidade, com a distância
do preso de seus familiares, com o despreparo dos profissionais atuantes nas
unidades, com a ausência de trabalho e atividades educacionais dentro das
prisões, com a falta de assistência médica e os maus tratos - que não raro
acontecem dentro do cárcere -, entre outros agravantes.
No
entanto, quando se trata de presos vinculados a facções criminosas, nem sempre
os motivos citados são os que geram as rebeliões. Uma das maiores preocupações
desses grupos está em não perder o território conquistado. Eles não medem
esforços para buscar cada vez mais espaço dentro das unidades
prisionais. Isso ocasiona subversão à ordem e à disciplina,
resultando em confrontos, brigas e mortes entre facções rivais, transformando
os espaços em cenários de guerra.
É
o que aconteceu nas unidades prisionais do Amazonas recentemente. Cenas
cruéis se repetiram com o assassinato de 57 presos, passados pouco mais de dois
anos do massacre anterior. Quando acontecem fatos como esse, de tamanha
gravidade e repercussão, uma das ações imediatas é a transferência de presos
para as unidades federais, o que é apenas uma solução temporária. Prova de que
isso é apenas uma alternativa paliativa é que a situação se repetiu mais uma
vez com praticamente o mesmo número de mortos. Ou seja, seguiu-se a cena,
porém, repetindo-se o mesmo capítulo.
Ainda
em relação ao Amazonas, além das causas comuns já citadas para as rebeliões,
somam-se a elas a superlotação carcerária, os processos sem julgamentos e a
falta de juízes e promotores para concluírem os processos. Ou seja, de um lado
vê-se o crescimento da população carcerária e, de outro, a redução e até a
ausência de recursos humanos e materiais. Somado a isso, há ainda a fragilidade
na gestão. Todos esses fatores contribuem para que a engrenagem continue a
repetir o mesmo movimento.
Outro
agravante é que os presos mortos podem ter sido os mesmos que assistiram
atônitos na rebelião anterior a partida de seus companheiros de cela, em
situação que retratou um filme de terror. Diante desse cenário, é
possível que o próximo capítulo se repita mais uma vez e a engrenagem continue
emperrada e omissa quando o assunto é sistema carcerário brasileiro.
Em
regra, após as tragédias ocorridas é comum instituir gabinete de crise
envolvendo órgãos de segurança para discutir estratégias de melhorias na
unidade penal, já que a ausência do Estado fica clara nesses lugares, assim
como a falta de ressocialização. Ou seja, a reinserção do preso seria uma
opção? Reinserção, nada! Somado ao caos das unidades prisionais administradas
pelo Estado, questiona-se sobre o não funcionamento da empresa terceirizada
atuante no sistema penitenciário. Todavia, mais que a negligência da empresa em
não cumprir o contrato, há ainda a negligência ao Estado pela omissão em não
rescindi-lo, repetindo-se, assim, o mesmo capítulo, ou seja, culpai-vos
uns aos outros.
Débora Veneral
- advogada e diretora da Escola Superior de Gestão Pública, Política, Jurídica
e Segurança do Centro Universitário Internacional Uninter.
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