Um sistema educacional de qualidade é condição
fundamental para o desenvolvimento de um país. No Brasil, indicadores nacionais
e internacionais apontam que ainda estamos longe de atingir um patamar
considerado aceitável e que ofereça a todos os alunos as mesmas oportunidades
de aprendizado. A complexidade da educação pública brasileira é consequência de
decisões históricas, incluindo a escolha do modelo de sistema educacional.
Somos o quinto maior país do mundo em extensão territorial e em número de
habitantes. Só na educação básica, que atende os alunos matriculados desde as
creches até o ensino médio, são mais de 48 milhões de matrículas, sendo que 81%
dos alunos estudam em escolas públicas. Quando se trata de ensino público, a
responsabilidade prioritária dos municípios é garantir o atendimento desde a
Educação Infantil até o término do Ensino Fundamental. Logo, o avanço da
qualidade e dos resultados da educação pública depende e muito do sucesso da
gestão municipal.
Para a coordenadora do Instituto Positivo,
Cristiane da Fonseca, é preciso considerar o contexto dos municípios
brasileiros para compreender melhor o tamanho dos desafios no campo da
educação: “Sabemos que 70% das cidades são consideradas pelo IBGE como de
pequeno e de médio porte, ou seja, com menos de 23 mil habitantes. Muitas delas
comprometem grande parte do orçamento com as despesas da folha de pagamento,
sobrando assim pouco recurso para outros investimentos necessários, como por
exemplo, a formação continuada de professores, a melhoria da estrutura física,
a realização de eventos pedagógicos e aquisição de materiais”, explica
Cristiane. Aliado a isso, a falta de continuidade de uma política educacional,
em função da troca constante dos secretários de educação, pode comprometer a
motivação dos profissionais e a progressividade das iniciativas. “Quando se
analisa esse cenário surge a pergunta: haveria alguma maneira de superar esses
obstáculos para viabilizar saltos de qualidade na educação pública?”, questiona
Cristiane.
Em algumas regiões brasileiras, prefeituras,
escolas e educadores parecem ter encontrado um caminho: atuar em regime de
colaboração por meio da implantação de Arranjos de Desenvolvimento da Educação
- ADE. Os arranjos são um modelo de trabalho em rede, no qual um grupo de
municípios com proximidade geográfica e características sociais e educacionais
semelhantes buscam trocar experiências, planejar e trabalhar em conjunto - e
não mais isoladamente - somando esforços, recursos e competências para
solucionar conjuntamente as dificuldades na área da educação. A proposta dos
arranjos foi homologada pelo MEC em 2011 e incluída como uma opção para o
alcance das metas e das estratégias previstas no Plano Nacional de Educação,
aprovado em 2014 (artigo 7º, parágrafo 7º).
O Brasil possui hoje 12 ADEs, com aproximadamente
200 municípios trabalhando nesse modelo de colaboração. Outros ainda estão
surgindo nas regiões Nordeste e Sul do país. Alguns deles já conquistaram
avanços consistentes que indicam que estão no caminho certo.
ADE Instituto Chapada
A primeira experiência de trabalho em colaboração
entre municípios surgiu em 1997, no interior da Bahia. Na época, a região da
Chapada Diamantina registrava índices altíssimos de analfabetismo, imersa num
cenário em que a educação não era prioridade. Uma professora decidiu que era
necessário mudar isso e avaliou que o único caminho viável era a união e
colaboração. Para dar início ao projeto, 12 municípios foram mobilizados. Numa
região extremamente vulnerável, os dois principais desafios que enfrentavam eram
a alfabetização e a evasão escolar. Os gestores e educadores envolvidos
iniciaram as trocas de experiências, implantaram a formação continuada dos
professores, instituíram o cargo de coordenador pedagógico e diretor escolar e
buscaram apoio com parceiros técnicos.
Atualmente, estes municípios compõem o território
com melhor Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) do estado da
Bahia. Em 2005, quando o Brasil começou a medir o Ideb, eles tinham um
indicador médio no território de 3,08. Dez anos depois eles praticamente
duplicaram esse índice, passando para 5,28. Individualmente, eles também ocupam
as primeiras posições, caso de Ibitiara, com Ideb 6,5, Novo Horizonte, com
índice 6,3 e Piatã, com 6,1 – números que já superam a meta estabelecida para
2021 e fazem frente ao de capitais com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano)
bastante superior ao destas cidades. O município de Boa Vista do Tupim, que em
2005 apresentava um Ideb de 2,2, a partir do trabalho em colaboração, saltou
para 5,8 em apenas 4 anos.
O principal impacto foi a melhoria da aprendizagem
das crianças, especialmente nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática.
Outras grandes vantagens foram o fortalecimento da atuação dos educadores, que
recebem formação continuada, e a mobilização sociopolítica, que engaja as
futuras lideranças dos municípios em prol da educação. Por meio de uma
estratégia chamada de Dia E, o Instituto busca garantir o comprometimento dos
candidatos a prefeito com a causa e a continuidade das boas políticas já
empregadas. Eles participam de uma sabatina e assinam um termo de compromisso
no qual, se eleitos, comprometem-se a cumprir com o que está definido no
documento, elaborado em fóruns municipais abertos à população.
“A metodologia de trabalho do ADE Chapada engloba a
escuta sensível, a formação continuada de professores e a construção real de
tomada de decisões. A chance do outro participar das tomadas de decisões, ao
lado de uma equipe de trabalho experiente e qualificada no contexto da Educação
Pública, junto à formação continuada, faz a diferença para que o projeto dê
certo e a colaboração de fato exista”, afirma Cybele Amado de Oliveira,
presidente e diretora executiva do Instituto Chapada.
ADE Noroeste Paulista
Em 2009, uma mobilização iniciada no município de
Votuporanga conseguiu reunir 17 municípios da região noroeste paulista para
que, juntos, conseguissem identificar quais eram as necessidades comuns das
cidades na área de educação. Atualmente, já são 58 municípios integrando o ADE.
Ao iniciarem o diagnóstico sobre a realidade da educação na região, perceberam
o potencial ainda pouco explorado para a formação de professores. Surgiu então
a ideia de realizar um congresso que oferecesse formação mais qualificada e
diversificada aos docentes. Hoje na 5ª edição, o Congresso Internacional de
Educação do Noroeste Paulista reúne, em média, 1.500 professores de 250
escolas. Neste ano, serão 3 dias de programação voltada para a atualização dos
docentes, que participam de cursos e palestras sobre práticas metodológicas e
inovação, com a presença de especialistas renomados nacional e
internacionalmente. "A consolidação de um evento desse porte só foi
possível graças ao trabalho em regime de colaboração, pois além das secretarias
se unirem para viabilizar as palestras e o congresso, o número de participantes
acaba atraindo mais facilmente os parceiros”, destaca a secretária de Educação
de Votuporanga e coordenadora do ADE, profa. Encarnação Manzano.
Além do congresso anual, o ADE promove também
fóruns - nos quais são discutidos temas como sistema de avaliação e rendimento
escolar, contraturno e educação em tempo integral, planejamento estratégico e
mecanismos para ajudar a implementar as políticas de educação. Toda essa
articulação regional trouxe avanços: o Ideb médio do território aumentou de 5,9
em 2007, para 6,5 em 2015. O engajamento de gestores municipais e docentes
também aumentou. “Quando há união e cooperação entre todos, mais força a
Educação tem, mais conquistas, mais resultados”, avalia Encarnação.
ADE Granfpolis
Dedicado a estudar e a difundir a metodologia dos
ADEs no Brasil, o Instituto Positivo é parceiro da Associação dos Municípios da
Região da Grande Florianópolis (GRANFPOLIS), em Santa Catarina. Com a
Granfpolis, em uma articulação pioneira, lançaram, em 2015, o primeiro ADE do
Sul do País. Atualmente, os 22 secretários de educação da região e as suas
equipes trabalham de forma conjunta, a fim de alcançar as três metas
territoriais, definidas em comum acordo e que visam melhorar a qualidade do ensino
no território. No ano de fundação do ADE, 16% dos alunos das redes municipais
que compreendem o Arranjo estavam em situação de distorção idade/ano escolar.
Portanto, a redução da evasão e da reprovação escolar foi considera uma meta
prioritária. No total, em 2017, 1.200 alunos, de 14 municípios, receberam
atenção especial e participaram conjuntamente de programas de formação e
implantação da alfabetização e de aceleração na aprendizagem. Destes, 100%
chegaram ao final de um ano em condições de fazer a progressão de nível.
A professora Lilian Boeing, uma das líderes do ADE
e secretária de Educação do Município de São José, conta que os educadores
tinham grandes preocupações e muita energia para promover a melhoria do
processo de alfabetização. “Por meio da colaboração e mobilização dos
secretários de educação eles conseguiram estabelecer uma parceria com o
Instituto Ayrton Senna. A partir das metodologias implantadas 92% dos alunos
atendidos chegaram ao final do ano letivo plenamente alfabetizados. Crianças
que antes não conseguiam decifrar as palavras, hoje, já conseguem ler um
livro”, comemora Lilian. Segundo Cristiane, “esses exemplos demonstram como
municípios organizados em regime de colaboração conseguem unir forças,
identificar um foco de trabalho territorial prioritário, atrair parceiros,
ratear custos e executar projetos conjuntos capazes de potencializar resultados
efetivos em prol da educação”.
Instituto Positivo
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