No mês em que a
Lei federal n. 12.846/13 – nossa Lei Anticorrupção – completa 5 (cinco) anos, a
pergunta que para muitos tende a avaliar a sua eficácia e efetividade (a lei
pegou?) seria: a corrupção diminuiu nesse período?
A impressão que
se tem é que a corrupção persiste, mas isso não significa que não tenhamos o
que comemorar, no sentido de bons resultados trazidos pela Lei Brasileira
Anticorrupção – LAB.
As operações
policiais que continuam a investigar e desbaratar esquemas de corrupção nos
níveis federal, estadual e municipal parecem deixar evidente que agentes
públicos e privados continuam a prestigiar alianças espúrias que exerciam antes
da edição da LAB. E no cenário atual de forte crise financeira e institucional,
forçoso é concluir que quando os recursos públicos se tornam mais escassos, não
é somente a competição lícita pelo acesso a estes recursos que aumenta; a
competição ilícita também tende a crescer. Levando-se em conta que a corrupção
brasileira que a Lava-Jato desvendou é do tipo sistêmico e relacional – era a
forma pela qual os negócios eram (e provavelmente ainda são) realizados na
amplitude do setor público – necessitamos de um tempo maior do que cinco anos
para mudar o padrão dominante da forma de fazer negócios no país.
Convenhamos, não
é função de uma lei mudar este estado de coisas, da noite para o dia. Trata-se
de uma específica cultura de fazer negócios ainda muito arraigada no país, e se
tínhamos a expectativa de que a corrupção seria contida, neutralizada ou
erradicada a partir da adoção da Lei Anticorrupção, o melhor que temos a fazer
agora é encararmos de frente a realidade e admitirmos que combater a corrupção
é uma cruzada incessante, que necessitará de melhorias e ajustes contínuos,
hoje e sempre, perpassando por vários mandatos eletivos do Poder Executivo e
por várias legislaturas do Congresso Nacional. Uma cruzada que precisa ser
liderada por um Governo Ético, mas também capitaneada por empresas éticas,
sociedade civil e cidadãos que privilegiem a ética em suas condutas cotidianas;
por um Judiciário vigilante e um Ministério Público cada vez mais focado e
especializado no tema.
Sem prejuízo
disso, a médio e longo prazo não há dúvidas de que o impacto esperado com a
edição de uma lei que combate e responsabiliza empresas privadas que se
envolvem em atos de corrupção é que haja a significativa redução dos índices de
corrupção desencadeada por tratativas antiéticas e ilícitas entre os setores
público e privado.
Entretanto,
ainda que a Lei Anticorrupção – e o Decreto n. 8.420/15 que a regulamentou na
esfera federal – importem para que possamos atingir tal objetivo, é preciso
esclarecer que isoladamente esta lei não tem e nem teria como cumprir tarefa
tão difícil. É que as causas da corrupção são múltiplas, e múltiplos também
devem ser os instrumentos e medidas para prevenir, conter e combatê-la. Não por
outro motivo a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro
– ENCCLA encontra-se em 2018 debatendo a criação de um Plano Nacional de
Combate à Corrupção, congregando Estado, empresas e sociedade civil a unir
esforços para juntos desenvolverem ações coletivas e integradas anticorrupção.
No entanto, esta
constatação não afasta os bons efeitos da Lei Anticorrupção Brasileira – LAB
que, em conjunto com outras leis, medidas e providências institucionais e
sociais, vem cumprindo satisfatoriamente o seu papel de indutora de uma nova
forma de se fazer negócios no país, promovendo uma cultura de ética empresarial
e de respeito ao Direito.
Muito em
virtude da LAB, estamos todos vivenciando um intenso movimento de difusão dos
programas de compliance, o quais procuram conferir concretude e consistência a
esta transformação em curso no ambiente corporativo brasileiro. Os eventos
corporativos e científicos sobre a temática ocorrem em todo o país, e passam a
abranger todos os segmentos do mercado: do setor de construção (o mais atingido
pela Lava-Jato!) aos setores de produção de bens e de prestação de serviços em geral.
Há alianças empresariais voluntárias gestadas no meio corporativo, como o Pacto
Global levado à frente pela Rede Brasil, que pretendem promover entre as
empresas o princípio anticorrupção: “as empresas devem combater a corrupção em
todas as suas formas, inclusive extorsão e propina”.
Instituições de
ensino e escolas corporativas vêm oferecendo cursos de atualização para
gestores públicos e privados para capacitá-los em métodos e técnicas de GRC –
governança, gestão de riscos e compliance anticorrupção, prestigiando assim a
emergência de uma nova ética empresarial na forma de condução dos negócios,
sobretudo na interrelação com o Governo. A Pós-Graduação da Faculdade de
Direito da USP desde 2015 oferece no Mestrado e Doutorado em Direito, sob a minha
coordenação, o curso “Corrupção na Administração Pública” e neste ano está
concorrendo ao Prêmio Innovare, na categoria Justiça e Cidadania.
Também no setor
público a LAB refletiu efeitos extremamente positivos, disseminando políticas
de governança e de integridade de órgãos e entidades públicas. Depois da LAB e
do escândalo do Petrolão, vieram a Lei federal n. 13.303/16 e o Decreto n.
8.945/16 estabelecendo novos padrões de atuação e controle para as empresas
estatais, notadamente a partir das noções de governança e integridade. Ainda no
plano federal, veio o Decreto n. 9.203/17 que amplia estes novos standards para
a Administração direta, autárquica e fundacional, considerando governança
pública “conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em
prática para avaliar, direcionar e monitorar a gestão, com vistas à condução de
políticas públicas e à prestação de serviços de interesses da sociedade” (art.
2º, inc. I). A Portaria n. 1.089, de 25 de abril de 2018, do Ministério da
Transparência e Controladoria-Geral da União dispõe sobre as fases e os
procedimentos para a estruturação, a execução e o monitoramento dos programas
de integridade dos órgãos e entidades da Administração Pública federal direta,
autárquica e fundacional.
Ora, muito em
razão da edição da Lei Anticorrupção Brasileira – LAB, o Direito Brasileiro
está renovando o sistema de controle interno da Administração pública, com o
reforço da eficácia, transparência, gestão e avaliação do risco imanente às
tarefas públicas, responsabilização do gestor, entre diversos outros aspectos.
Com efeito, a finalidade maior da implantação de uma política de governança no
setor público é imprimir a atualização dos controles internos frente ao que
existe de melhor em termos de inovação no setor público, a cargo da própria
gestão pública, sempre em prol da busca por maior qualidade dos resultados a
serem atingidos pela Administração como um todo.
Finalmente, no
que diz respeito ao mercado jurídico, para além de uma nova área de
especialização e atuação que escritórios de todos os portes vêm abraçando, a
LAB reforça a ética profissional e estimula a formação de uma nova geração de
advogados. Estes novos profissionais do Direito definitivamente tendem a ser
mais preocupados com os valores éticos da sua profissão e aceitam o desafio
permanente de apoiar a propagação dos ideais de uma real competitividade em
todos os setores do mercado em que atuam, afastando práticas consideradas
espúrias que aniquilam a concorrência saudável entre as empresas. Mais do que
isso, advogados que atuam em processos de negociação de acordos de leniência,
por exemplo, não são meros representantes dos interesses da empresa que
pretende celebrar um acordo. Estes profissionais em verdade atuam em prol do
interesse público, investidos de poderes jurídicos a si conferidos para atuar
com a finalidade de fazer cessar práticas de corrupção – pela via da celebração
de um compromisso de leniência – e assim viabilizarem a reabilitação
empresarial, com a disseminação no mercado de novas e melhores práticas
corporativas, nas quais predominam ações e medidas anticorrupção.
Em face de todo
o exposto, embora ainda não possamos comemorar a diminuição da corrupção no
Brasil – não nos esqueçamos que o país despencou 17 posições no ranking de 2017
de percepção da corrupção da Transparência Internacional – a Lei Anticorrupção
Brasileira-LAB foi o gatilho para uma fase de transformações disruptivas na
forma como se fazem negócios entre o setor público e o setor privado no país,
muito mais voltadas a valorização da ética e do respeito às leis. Falta muito
ainda, é verdade, mas um passo essencial foi dado para a refundação na ética
pública e corporativa no Brasil, e por este motivo a LAB será para sempre
lembrada e deverá sempre ser homenageada.
Gustavo Justino de
Oliveira -
Prof. Dr. de Direito Administrativo na Faculdade de Direito da USP. Advogado,
Consultor jurídico e Árbitro especializado em Direito Público frente ao
escritório Justino de Oliveira Advogados Associados, com sede em São Paulo, do
qual é sócio-fundador. www.justinodeoliveira.com.br / http://blogdojustino.com.br/
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