A pesquisadora Helena Carvalho, da Universidade de Paris, colhe amostras no rio Amazonas, durante nova expedição do Tara-Oceans que chegou ao Brasil em setembro de 2021 (foto: Maéva Bardy/Fondation Tara-Océan)
Estudo assinado por um grupo internacional de pesquisadores apontou que as interações entre as comunidades de plâncton – microrganismos que formam a base da cadeia alimentar dos oceanos e produzem grande parte do oxigênio do planeta – sofrerão diferentes impactos das mudanças climáticas.
Simulações
computacionais sugerem que os organismos dos polos serão especialmente afetados
pelo aumento das temperaturas, enquanto os das zonas temperadas terão uma
redução do fluxo de nutrientes e os dos trópicos sofrerão com o aumento da
salinidade.
As conclusões, publicadas na
revista Science Advances, são resultado de modelagens
matemáticas realizadas com base no maior inventário de plâncton marinho já
realizado, entre 2009 e 2013, pela expedição Tara-Oceans. Durante o período, o
veleiro deu a volta ao mundo coletando amostras desses microrganismos em todos
os oceanos do globo.
Os primeiros resultados da expedição
foram publicados em 2015, em uma edição especial da revista Science (leia mais em: agencia.fapesp.br/21231/).
“Aquela primeira publicação fazia uma
fotografia do que existe de microrganismos nos oceanos: as espécies e a
abundância de cada uma. Foi um dos maiores projetos de sequenciamento genético
realizados até hoje”, conta Hugo Sarmento, professor do
Departamento de Hidrobiologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e
um dos dois autores de instituições brasileiras participantes do estudo
atual, apoiado pela FAPESP.
“Ao
analisar os dados, porém, percebemos que esses organismos dependem uns dos
outros para viver, formando verdadeiros consórcios microbianos. São muito mais
interações do que imaginávamos e as mudanças climáticas podem afetá-las
consideravelmente”, diz o pesquisador.
Sarmento
foi um dos pesquisadores embarcados no veleiro, em 2009. No último domingo
(19/09), a embarcação chegou novamente ao Brasil, com a primeira parada em
Belém, para um novo projeto, o AtlantECO. Focado no Atlântico Sul, reúne pesquisadores
de 13 países da Europa, Brasil e África do Sul.
Depois de
coletar amostras nas águas do norte brasileiro, o veleiro vai passar ainda por
Salvador (outubro), Rio de Janeiro e Florianópolis (novembro). Em seguida,
segue para a Antártica e para a costa africana. Ao voltar para a França, de
onde partiu em dezembro de 2020, a expedição terá totalizado dois anos de
duração.
No Brasil,
o projeto envolve ainda expedições científicas no navio Alpha Crucis, do
Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP), e no Veleiro
ECO, desenvolvido na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). As outras
instituições brasileiras envolvidas são a UFSCar, a Universidade Federal da
Bahia (UFBA) e a Universidade Federal do Rio Grande (FURG).
Consórcios microbianos
A partir dos dados coletados
na expedição 2009-2013, e com o auxílio de ferramentas estatísticas, os
pesquisadores reconstruíram as redes de interações entre os microrganismos.
Mais do que catalogar as 20.810 unidades taxonômicas operacionais (o
equivalente a espécies) de microrganismos encontradas, portanto, os
pesquisadores identificaram 86.026 interações potenciais, que podem ser
positivas (simbiose ou mutualismo, por exemplo) ou negativas (como predação ou
parasitismo).
“Se
identificamos duas espécies que sempre aparecem juntas, é possível que haja uma
interação positiva ali, ou seja, uma dependa da outra. Mas, se cada vez que uma
aumenta a outra diminui, pode haver uma interação negativa, uma se alimenta da
outra, por exemplo. Fizemos as comparações dessas mais de 20 mil espécies par a
par e obtivemos esse número de interações potenciais, em que cada espécie é
como um nó de uma rede complexa”, explica o pesquisador.
Espécies
ubíquas, que ocorrem no mundo todo, foram minoria. A maioria dos organismos tem
uma distribuição que varia com a latitude, formando redes distintas nos polos,
nas regiões temperadas e nos trópicos.
Com base
nessa informação, unida a dados ambientais como temperatura, salinidade e
disponibilidade de nutrientes, os pesquisadores simularam os efeitos das
mudanças climáticas em cada uma dessas comunidades.
Sabe-se,
por exemplo, que cada espécie ocorre apenas num determinado intervalo de
temperatura. Com um aumento que pode ultrapassar os 3°C previsto para o fim do
século, por exemplo, algumas espécies podem deixar de existir naquele local. E
comunidades que hoje possuem essas espécies teriam todo o funcionamento
alterado no futuro.
“Fizemos
essas simulações para vários estressores. Na região temperada, as mudanças no
regime de nutrientes parecem ser mais importantes. Enquanto nos trópicos são a
temperatura – embora menos do que nos polos – e a salinidade os maiores
estressores das redes de plâncton”, diz Sarmento.
Nos polos,
a temperatura é um fator ainda mais crítico. “Uma vez que os maiores aumentos
ocorrem justamente nas regiões polares, podemos antecipar grandes mudanças no
funcionamento dessas comunidades, com consequências importantes para o
equilíbrio do sistema”, afirma o pesquisador.
O estudo
alerta que essas alterações podem redundar numa menor produção de oxigênio, uma
vez que os microrganismos marinhos produzem cerca de metade do gás na Terra.
Além disso, podem afetar a capacidade dos oceanos de capturar e reter carbono
da atmosfera.
Atualmente,
eles absorvem um quarto dos gases de efeito estufa emitidos pela ação humana,
como a queima de combustíveis fósseis. Mudanças na atividade planctônica,
portanto, podem agravar ainda mais o quadro atual.
As alterações
podem afetar ainda a biomassa de plâncton, que é a base da cadeia alimentar
marinha. Com isso, é possível antecipar mudanças na distribuição e quantidade
de estoques pesqueiros.
O outro coautor brasileiro do estudo
é Pedro Ciarlini Junger Soares,
que realiza doutorado na UFSCar sob
orientação de Sarmento e atualmente faz estágio de pesquisa no
Institut de Ciències del Mar (ICM), na Espanha, ambos com bolsa da FAPESP.
O artigo Environmental vulnerability of the global ocean epipelagic
plankton community interactome pode ser lido em: www.science.org/doi/10.1126/sciadv.abg1921.
André Julião
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/mudanca-climatica-deve-alterar-o-funcionamento-de-comunidades-de-microrganismos-marinhos-aponta-estudo/36880/
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