O presente risco de crise hídrica, ameaçando o
abastecimento da população e a geração de energia elétrica, bem como se somando
à Covid-19 como agravante da retração econômica, suscita reflexão sobre uma das
maiores contradições do Brasil: é inadmissível uma situação como essa no país
detentor de 14% da água utilizável do mundo. Falta de planejamento diante da
densidade demográfica nacional, legislação ambiental restritiva, carência de
investimentos em infraestrutura e ocupação irregular do solo podem estar entre
as causas desse colapso.
Não obstante a abundância de recursos hídricos,
nunca tivemos um planejamento a longo prazo que relacionasse esses recursos com
a expansão populacional e o mapa de consumo das diversas regiões do País.
Enquanto o Norte e o Centro-Oeste detêm 84,2% dos recursos hídricos nacionais e
baixa densidade demográfica, o Nordeste, Sul e Sudeste acumulam 15,8% e
concentram a grande parte da população brasileira. Obras que possibilitassem
melhor distribuição em larga escala jamais foram realizadas. Como oleodutos ou
gasodutos, aquedutos também poderiam ter sido construídos, aproveitando-se as
cheias dos rios da Região Norte para irrigar o Sul e o Sudeste. Isso, sem falar
na transposição do rio São Francisco, que atenuaria muito a seca nordestina,
mas se arrasta por décadas.
Outro problema grave é o uso irregular do solo,
resultante, aliás, de outra contradição nacional: em contraste com a excessiva
judicialização de programas e obras sustentáveis de urbanização e
desenvolvimento, com a obstrução até mesmo de projetos já aprovados, inclusive
no tocante ao licenciamento ambiental, não se consegue conter invasões e
ocupações irregulares em áreas preservadas. Há numerosos exemplos de como esse
problema atinge os mananciais hídricos.
A questão é evidenciada com ênfase em estudo da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O trabalho
mostra que a expansão urbana desordenada da população de baixa renda na
macrometrópole paulista alcança áreas de preservação ambiental, ameaçando o
abastecimento de água. Do total de 33 milhões de habitantes da região
pesquisada, 3,8 milhões vivem em condições precárias. Essa população está
distribuída em 113 dos 174 municípios que englobam as regiões metropolitanas de
São Paulo, Campinas, Baixada Santista, Sorocaba, Vale do Paraíba e Litoral
Norte, além das aglomerações urbanas de Jundiaí, Piracicaba e Bragança
Paulista.
O terceiro grande problema refere-se à
insuficiência dos investimentos em infraestrutura, o maior gargalo nacional, no
qual o saneamento básico é um dos mais graves, exigindo aporte de R$ 500
bilhões para universalizar os serviços. Cerca de 35 milhões de habitantes não
têm acesso à água potável e 100 milhões não contam com coleta de esgotos,
aponta estudo do Instituto Trata Brasil, baseado em dados do Sistema Nacional
de Informações sobre Saneamento (SNIS), do Ministério do Desenvolvimento
Regional.
A legislação ambiental brasileira tornou-se uma
barreira para empreendimentos de infraestrutura de grande porte. Aprovações de
projetos dessa natureza, incluindo obras de saneamento, hidrelétricas ou
assentamentos urbanos regulares, levam anos e, muitas vezes, são reprovados.
Enquanto isso, a população continua crescendo e a maioria das cidades se
expandindo de maneira desordenada, contribuindo para o agravamento das questões
sanitárias.
Ainda no campo da infraestrutura, no que diz
respeito especificamente à eletricidade, o Brasil necessita de urgentes
investimentos. Qualquer crescimento econômico esbarrará na insuficiência
nacional de produção de energia, que, se for cara, torna os produtos de nossa
indústria menos competitivos, ajuda a aumentar a inflação e esvazia o bolso do
brasileiro. Se a questão hídrica está em alerta por causa das secas, vamos
incentivar outras fontes de energia, como solar, eólica, biocombustíveis e
biogás.
Precisamos, portanto, de projetos de curto e de
longo prazo, para corrigir os problemas, que são antigos e conhecidos, e
transformar nossa imensa riqueza hídrica em fator de desenvolvimento e vida de
qualidade. É paradoxal que afoguemos nossa economia nas águas represadas por
barreiras que já poderiam ter sido removidas há muitas décadas.
Luiz Augusto Pereira de Almeida - diretor da Sobloco Construtora e membro do Conselho Consultivo
do SECOVI e do Conselho de Administração da ADIT.
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terça-feira, 27 de julho de 2021
O paradoxo das águas
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