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Lavoura de alface da cultivar BRS Mediterrânea em São José do Rio Pardo (SP). Foto: Rodrigo Baldassim |
- Cenários de clima futuro indicam risco alto ou muito alto para
cultivo de alface em campo aberto até o fim do século.
- Embrapa desenvolve mapas de risco climático com base em dados
do INPE e projeções do IPCC.
- Calor excessivo pode causar desordens fisiológicas graves na
alface, como florescimento precoce e morte da planta.
- Cultivares mais resistentes ao calor e sistemas de cultivo
protegidos estão entre as alternativas apontadas.
- Nova fase da pesquisa usará dados mais precisos e inteligência
artificial para ampliar mapeamentos.
Plantar alface ao ar livre no Brasil pode se tornar cada
vez mais difícil nas próximas décadas. Isso é o que revelam mapas de risco
climático elaborados por pesquisadores da Embrapa Hortaliças (DF), com base em projeções do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e em modelos utilizados pelo Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Os dados indicam que, até o fim do século,
praticamente todo o território brasileiro enfrentará risco alto ou muito alto
para a produção da folhosa mais consumida pelos brasileiros.
A pesquisa considerou dois cenários climáticos: um
otimista, com controle parcial das emissões de gases de efeito estufa, e outro
pessimista, em que as emissões continuam crescendo até 2100. Em ambos, as
perspectivas não são animadoras para o cultivo tradicional da hortaliça. O
verão é a estação mais crítica, com temperaturas que podem ultrapassar os 40°C
em boa parte do País — patamar bem acima do ideal para o desenvolvimento da
alface, que exige clima ameno e umidade equilibrada.
“Compreender como as mudanças climáticas podem afetar a
produção de alface, em um país tropical como o Brasil, é essencial para
desenhar estratégias de adaptação. Isso permite antecipar impactos e evitar
prejuízos”, explica o engenheiro-ambiental Carlos Eduardo Pacheco, pesquisador em Mudanças Climáticas
Globais da Embrapa.
Diante disso, as duas principais frentes de atuação da
pesquisa têm sido o desenvolvimento de cultivares de alface com maior
tolerância ao calor e de sistemas de produção para garantir a sustentabilidade
do cultivo diante de condições climáticas adversas. Entre os exemplos estão os
sistemas regenerativos, que restauram a fertilidade do solo e a biodiversidade
- como o sistema de plantio direto de hortaliças (SPDH) e o cultivo orgânico
com compostagem e uso de bioinsumos; e os sistemas adaptados ao clima, que
utilizam tecnologias e estratégias para evitar perdas por estresses climáticos
- como o cultivo em ambientes protegidos ou controlados e o zoneamento
agroclimático.
Projeções até
2100: cenário de alerta
Os mapas de risco climático foram construídos a partir da
base de dados ‘Projeções Climáticas’, do Inpe, com resolução espacial de 20
km². O modelo dinâmico ETA, já validado para o Brasil e América Latina, foi
utilizado para projetar o comportamento da temperatura (mínima, média e máxima)
em diferentes estações do ano, ao longo de quatro intervalos de tempo: até
2040, de 2041 a 2070, de 2071 a 2100, e o período histórico de 1961 a 1990,
como referência.
Para simular cenários futuros, os pesquisadores utilizaram
os Caminhos de Concentração Representativos (RCPs, na sigla em inglês), criados
pelo IPCC. O cenário otimista adotado foi o RCP 4.5, com aumento de temperatura
global entre 2°C e 3°C até 2100. Já o cenário pessimista foi o RCP 8.5, com
elevação de até 4,3°C e emissões de gases de efeito estufa em crescimento
contínuo.
Os dados mais alarmantes aparecem nas projeções para o
verão entre 2071 e 2100. No melhor cenário (RCP 4.5), 79,6% do território
nacional apresenta risco climático alto para a alface em campo aberto, e 17,4%
apresenta risco muito alto. Já no pior cenário (RCP 8.5), 87,7% do território
entra na categoria de risco muito alto, e apenas 11,8% permanece com risco
alto.
“Os mapas evidenciam a urgência de pensarmos em sistemas
produtivos adaptados ao clima, especialmente para hortaliças, que são mais
sensíveis do que as grandes culturas como milho ou soja”, destaca Pacheco.
Os cenários
futuros para o clima
“Nós utilizamos um cenário otimista e outro pessimista
para verificar qual seria o nível de comprometimento das regiões produtoras de
alface em função do aumento da temperatura ao longo do tempo”, explica Pacheco.
O cenário otimista utilizado é o RCP 4.5 (mapa abaixo),
que considera um aumento da temperatura global entre 2°C e 3°C e emissões
estáveis de gases de efeito estufa até 2100. Para fins de comparação, também
foram gerados mapas a partir dos dados do pior cenário projetado para as
mudanças do clima – o RCP 8.5. Nesse cenário pessimista, a previsão é que as
emissões de GEE sigam em elevação e haja um aumento da temperatura em 4,3°C até
o fim do século.
A avaliação dos pesquisadores também considerou quatro
intervalos de tempo para acompanhar a evolução da inviabilidade de plantar
alface em campo aberto no País com o passar das décadas. Os períodos mapeados
vão do momento atual até o fim do século, sendo divididos em: dias atuais até
2040, de 2041 a 2070, e de 2071 a 2100. Todos esses intervalos foram comparados
com o período histórico que, no modelo utilizado, corresponde à era
pós-industrial, de 1961 a 1990.
Do melhor ao pior
cenário
Considerando o fim deste século, a consulta aos mapas de
temperatura máxima projetada mostra que no verão - a estação do ano mais
desafiadora para o plantio da folhosa em campo aberto, em função do calor e das
chuvas – o melhor cenário (RPC 4.5) indica que todas as regiões do Brasil
apresentam risco climático alto, com exceção de uma área diminuta no Sul do
País, com risco moderado indicado pela cor azul. No pior cenário projetado para
o verão (RCP 8.5), o território brasileiro é todo tomado pela cor vermelha,
como indicativo o risco climático muito alto, somente com a faixa litorânea
pintada de amarelo para apontar o risco alto (mapa abaixo).

Os mapas gerados para a cultura da alface consideram as
temperaturas (máxima, mínima e média) para cada cenário futuro, apontando em
quais regiões o cultivo ficaria prejudicado e demandaria novas tecnologias para
permanecer viável. “Os mapas tornam mais fácil a visualização do impacto da
temperatura na cultura da alface e evidencia a urgência em se pensar não mais
sobre mitigação, e sim sobre adaptação dos sistemas produtivos de hortaliças às
mudanças do clima”, enfatiza Pacheco.
Ainda no intervalo de tempo de 2071 a 2100, para a estação
do verão, o cenário RCP 4.5 mostra uma faixa de temperatura que vai de 23,4°C a
41,2°C. No cenário RCP 8.5, os valores vão de 25,4°C a 45°C. “Do ponto de vista
evolutivo, a alface depende de temperatura amena e boa umidade para se
desenvolver plenamente. Esses números projetados são preocupantes porque a
adaptação da espécie às altas temperaturas é mínima, especialmente se
considerar que as sementes de alface exigem temperaturas inferiores a 22°C para
haver germinação”, explica o engenheiro-agrônomo Fábio Suinaga, pesquisador em Melhoramento Genético da
Embrapa Hortaliças.
Ao antever os cenários futuros, as pesquisas da Embrapa
priorizam materiais genéticos mais tolerantes ao calor. “Temos atualmente em
nosso portfólio cultivares com diferentes mecanismos para resistir melhor ao
calor, como a alface BRS Mediterrânea que, por ser mais precoce, fica menos dias
no campo até obter um padrão comercial, ficando menos exposta às oscilações da
temperatura”, esclarece Suinaga. Ele ainda destaca que o sistema radicular
vigoroso da cultivar contribui para o aproveitamento de água e nutrientes do
solo, indicando também uma potencial tolerância ao estresse hídrico.
O produtor rural Rodrigo Baldassim, de São José do Rio
Pardo, em São Paulo, atesta as vantagens da alface BRS Mediterrânea:
“atualmente essa cultivar representa 80% do material de alface crespa que eu
planto. Ela é meu carro-chefe por conta de aguentar melhor as altas
temperaturas quando se compara com outros materiais comerciais”. Ele ainda
enumera outras vantagens da cultivar, especialmente para quem comercializa pelo
quilo: “essa alface entrega maior volume de folhas com padrão comercial, demora
mais para pendoar e não tem queimadura de borda”.
As próximas fases
da pesquisa
Há carência de estudos sobre o impacto de cenários
climáticos futuros para hortaliças, tanto no Brasil quanto no mundo.
“Geralmente esse tipo de levantamento considera somente grandes culturas como
milho e soja. Contudo, as hortaliças são espécies mais vulneráveis às altas
temperaturas que os grãos”, pontua Pacheco.
Há também um predomínio de análises dos impactos do ponto
de vista econômico e, para o pesquisador, as dificuldades impostas pela crise
climática na produção de hortaliças dialogam muito com desafios acerca de
segurança e soberania alimentar – em estreita relação com o conceito de Saúde
Única (veja quadro no fim desta matéria).
Os mapas de risco climático são ativos cartográficos que
integram um estudo de vanguarda sobre inteligência climática para subsidiar as
pesquisas com hortaliças. Eles estão disponibilizados na Geoinfo, a plataforma
de gestão da informação geoespacial na Embrapa. “É preciso olhar para esses
mapas e seus dados como uma ferramenta estratégica para o delineamento de novas
pesquisas em resposta à crise climática”, opina Pacheco.
Os próximos passos do mapeamento incluem o uso de uma base
de dados com resolução espacial 20 vezes mais precisa – a WorldClim – e um
conjunto de modelos usados no Sexto Relatório de Avaliação (AR6), o mais
recente lançado pelo IPCC. Os novos mapas para a cultura da alface irão
considerar como parâmetros os índices de precipitação e a necessidade hídrica
da cultura em diferentes cenários futuros.
“A expectativa é expandir o mapeamento para outras
espécies de hortaliças, como tomate, batata e cenoura, em função da importância
socioeconômica e da sensibilidade desses cultivos ao clima”, adianta Pacheco,
que também tem adotado o uso de inteligência artificial para automatizar o
processo de geração dos mapas de risco climático a fim de obter maior escala e
agilidade no desenvolvimento dos estudos.
Desordens
causadas por altas temperaturas
A queima de borda, também conhecida como tipburn, é uma
desordem relacionada à deficiência do mineral cálcio nas folhas, responsável
pela manutenção da integridade das células das plantas. Em condições climáticas
desfavoráveis como altas temperaturas e excesso de umidade, como acontece nos
cultivos de verão, as folhas crescem rapidamente e o deslocamento de cálcio na
planta fica comprometido, o que ocasiona manchas escuras na borda das folhas.
No caso do florescimento (ou pendoamento) precoce,
temperaturas médias acima de 25º Celsius causam estresse climático na planta, o
que faz com ela emita o pendão de forma antecipada para iniciar a produção de
sementes. Com isso, a alface perde qualidade e o padrão comercial, pois há o alongamento
do caule, a redução do número de folhas e maior produção de látex, uma
substância que confere o sabor amargo à alface.
O
que é Saúde Única?
É uma abordagem
integradora que reconhece a interdependência entre a saúde dos seres humanos,
dos animais domésticos e selvagens, das plantas e dos ecossistemas. Traduzido
do termo “One Health” (OH), cunhado pela Organização Mundial da Saúde, o
conceito incentiva uma visão múltipla entre disciplinas e instituições para o
alcance de soluções mais abrangentes e efetivas para desafios globais complexos
que ameaçam a saúde como um todo