Recentemente, uma ação conjunta entre Ministério Público Federal (MPF) e
Polícia Federal denominada Operação KRYPTOS, com ampla cobertura midiática,
encerrou as operações da GAS Consultoria, sob acusação dos responsáveis pela
empresa supostamente cometerem crimes contra o sistema financeiro nacional. O
caso chamou bastante a atenção, primeiramente pela quantidade de valores
apreendidos, que ultrapassa os R$ 200 milhões. O destaque também se dá pelo
ineditismo da operação, pois sabido é que, como a GAS Consultoria, no país
existem milhares e constantemente a Justiça Federal declina sua competência,
alegando que tal matéria, em virtude da não regulação do mercado de
criptoativos, não geraria lesão ao sistema financeiro nacional e seria,
portanto, de competência estadual.
Casos envolvendo criptoativos atraiam a competência para a Justiça
Federal apenas se tivessem base na oferta pública de contrato coletivo de investimento
que consubstancia valor mobiliário, o que sujeitava o caso às disposições da
lei que define os crimes contra o sistema financeiro nacional (lei 7.492/86).
Os demais artigos que recaíram na acusação nunca foram levados em consideração.
Com essa recente operação contra a GAS Consultoria, alimenta-se a
esperança de que se abra o precedente e aplique o mesmo rigor a centenas de
“piramideiros” que lesaram milhões de vítimas no país e ainda estão impunes.
Espera-se que não seja uma iniciativa isolada, pois no caso da GAS Consultoria,
até a operação ser realizada não existia por parte dos acusados lesão aos
investidores, que deixaram de receber em virtude do impedimento gerado pelas
medidas judiciais. Diante dessa situação, a grande dúvida dos investidores está
relacionada com a devolução de seu capital, tendo em vista que o dinheiro dos
mesmos estava em custódia justamente com a GAS Consultoria.
É importante frisar que a acusação que recai sobre os envolvidos é a de
funcionar como instituição financeira sem autorização, onde recebiam capital
sob a promessa de pagar rendimentos aos interessados. Nessa linha, convém
inicialmente destacar o disposto nos artigos 118 e 119 do Código de Processo
Penal e artigo 91 incisos, I e II do Código Penal, que elencam o quanto segue:
"Art. 118. Antes de transitar em julgado a
sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto
interessarem ao processo."
"Art. 119. As coisas a que se referem os
artigos 74 e 100 do Código Penal (atual artigo 91) não poderão ser restituídas,
mesmo depois de transitar em julgado a sentença final, salvo se pertencerem ao
lesado ou a terceiro de boa-fé."
"Art. 91 - São efeitos da condenação: (Redação
dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano
causado pelo crime; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - a perda em favor da União, ressalvado o
direito do lesado ou de terceiro de boa-fé: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984)"
Com base nos artigos mencionados, o primeiro passo que deverá ser dado
pelo grupo de investidores será a demonstração, em Juízo, que são terceiros de
boa-fé e fazem jus ao direito ressalvado no inciso II do artigo 91, impedindo
assim que seu capital fique para a União, como elencado no referido diploma
legal. A presente demonstração é feita com base no artigo 120 do Código de
Processo Penal, diretamente ao juízo criminal onde, mediante termo nos autos,
os investidores deverão demonstrar que não existe dúvida quanto aos seus
direitos.
Mais uma vez, cabe alertar aos investidores que, além do disposto no
artigo 91 do Código Penal, o artigo 122 do Código de Processo Penal também
alerta quando não reclamado o direito, a possibilidade de se perder em favor da
União, como demonstrado abaixo:
"Art. 122. Sem prejuízo do disposto nos
artigos 120 e 133, decorrido o prazo de 90 (noventa) dias, após transitar em
julgado a sentença condenatória, o juiz decretará, se for caso, a perda, em
favor da União, das coisas apreendidas (artigo 74, II, a e b do Código Penal) e
ordenará que sejam vendidas em leilão público.
Parágrafo único. Do dinheiro apurado será recolhido
ao Tesouro Nacional o que não couber ao lesado ou a terceiro de boa-fé.
Na presente operação, os recursos que estavam em
poder da GAS agora estão sob custódia do juízo da 3ª Vara Federal do Rio de
Janeiro, sendo o mesmo diante disso o caminho lógico para a restituição dos
investidores."
Deve-se frisar que se trata de medida a ser operacionalizada com
urgência tanto por parte dos investidores quanto por parte das autoridades,
pois em que pese ser um caso extremamente complexo pela grandeza, tal situação
gerou uma catástrofe social econômica que extrapola os limites da região dos
Lagos no Estado do Rio de Janeiro, pois milhares de pessoas que viviam dos
supostos rendimentos das suas economias agora estão à míngua em um momento
bastante complicado do país.
Ante o exposto, convém destacar o brilhante Rui Barbosa para a importância
da celeridade na decisão em relação aos terceiros de boa-fé, onde “ A justiça
atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta”. Diante disso,
que se solucione essa situação o quanto antes, para o bem de todos.
Jorge
Calazans - advogado especialista na área criminal, conselheiro estadual da
Anacrim e sócio do escritório Calazans & Vieira Dias Advogados, com atuação
na defesa de vítimas de fraudes financeiras.