As mudanças impostas pela pandemia
na rotina dos professores podem afetar a saúde mental desses profissionais. É o
que alerta a psicóloga e consultora educacional Carla Jarlicht. Na entrevista
abaixo, ela analisa a necessidade de os gestores das escolas estarem atentos
aos efeitos desse período junto ao corpo docente, os impactos do ensino remoto
no dia a dia das aulas e a nova dinâmica pedagógica que o formato híbrido exigirá.
Num contexto de normalidade, quais são os problemas que
costumam afetar a saúde mental dos professores?
A rotina diária de um professor é bastante desafiadora e, por
vezes, exaustiva. No pacote de problemas estão os baixos salários, a carga
horária extensa, a falta de estrutura e segurança nas escolas, a falta de
suporte e tantos outros problemas. Quem pensa que o trabalho do professor se
encerra quando ele termina o seu turno de trabalho está bastante equivocado. Há
ainda as tarefas de planejamento, verificação de materiais dos alunos e
pesquisa que, invariavelmente, são realizadas em casa( e sem remuneração),
depois do seu horário de trabalho. Para além disso há o vínculo afetivo
característico de quem trabalha diretamente com crianças e adolescentes,
portanto os professores envolvem-se com seus alunos, preocupando-se com eles
dentro e fora da sala de aula. E também envolvem-se com as famílias porque
ambos compartilham a responsabilidade da Educação. Apesar desse vínculo ser
desejável e, muitas vezes, condição para o desenvolvimento do trabalho, ele
pode ser também mais um ingrediente de pressão quando o professor não encontra
parceria seja com o aluno ou com a própria família e não conta com o respaldo
da escola quando precisa resolver determinadas questões. Esse conjunto de
fatores pode, sim, afetar a saúde mental dos professores que se sentem( e são)
extremamente exigidos e que querem realizar um trabalho de qualidade. Caso
esses excessos não venham acompanhados de um suporte consistente da escola( gestores
e coordenadores) no sentido de acolher suas questões de forma ativa e sem
julgamentos, podem se tornar extremamente pesados, acarretando problemas de
saúde como estresse e depressão, para citar apenas dois.
Com a mudança repentina para as aulas remotas e a necessidade
de lidar com um cenário totalmente novo e com novas tecnologias, muitos
professores sentiram piora na saúde mental. Por que isso acontece? Que fatores
dessa nova realidade afetam o emocional e psicológico desses profissionais?
Tudo que é novo desacomoda e inquieta até se tornar
conhecido. E devido à pandemia tudo teve que acontecer sem muito planejamento,
o que gera ainda mais desconforto.. Somada à todas as questões desafiadoras já
sabidas, os professores tiveram que dar conta também de uma mudança drástica na
sua prática de sala de aula. A maioria sequer havia recebido formação para
trabalhar remotamente, muitos nem acesso à internet de qualidade tinham e
outros, nem as ferramentas necessárias( o mesmo ocorreu com os alunos). Tudo
isso contribuiu para o aumento do estresse. E para além de todas as mudanças
havia ainda os temores pessoais, novas precauções e lutos trazidos pela
pandemia. A sala de aula passou a acontecer na casa de cada um, com muitas
diferenças quanto à recepção e à percepção de cada aluno( e suas famílias)
quanto ao novo modo de trabalho. Foram( e são ainda) muitos os questionamentos
que vão da estrutura do trabalho remoto em si à dúvida sobre a eficácia da
aprendizagem do aluno passando pela necessidade da parceria das famílias e do
apoio da escola e pela qualidade do próprio trabalho que está sendo realizado.
Imagine que o professor é aquele acrobata que roda vários pratinhos ao mesmo
tempo. Todos estão ao seu alcance e nenhum deles pode cair. Todos os seus
pratinhos são bem diferentes uns dos outros, o que torna a tarefa mais
desafiadora. Se essa situação já provoca uma certa ansiedade, imagine se, de
repente, surge um obstáculo entre ele e os pratinhos. Os graus de ansiedade e de
tensão aumentam. Tudo isso pode gerar muita ansiedade, angústia, fadiga mental,
principalmente, quando o professor não encontra o apoio necessário. Afinal, os
pratinhos do professor são inteiramente diferentes daqueles do acrobata e não
têm reposição. Portanto, muitas são as incertezas, o que provoca um constante
estado de alerta, muitas vezes, esgotante do ponto de vista da saúde.
Em muitos locais, o ensino remoto migrou
para o ensino híbrido, no qual o professores precisam dar aulas presenciais e
continuar dando aula remota. Como essa nova mudança pode afetar os professores?
Muitos têm comentado sobre o medo de pegar o vírus e contaminar seus familiares
e sobre a carga maior ainda de trabalho.
Todas essas mudanças são ainda muito recentes, mas parece que
o conceito de ensino híbrido vem sendo mal compreendido. Ensino híbrido é uma
combinação entre atividades no presencial, em que o processo ocorre em sala de
aula, como vem sendo realizado há tempos, com o modo online, que utiliza as tecnologias digitais para promover e
enriquecer o ensino ( e não
necessariamente o aluno está fora da escola). Uma vez que nem todos os alunos estarão presentes na escola,
é possível que o professor precise elaborar um planejamento diferenciado para o
grupo que estiver em casa (a menos que esse grupo usufrua das aulas presenciais
sincronicamente). De uma maneira ou de outra, existe aí uma mudança radical em
relação à proposta de ensino tradicional e tudo caminha cada vez mais para
contemplarmos o ensino personalizado. Como toda e qualquer mudança é preciso
tempo, paciência e investimento na formação do professor para que ele possa
abraçar esse novo lugar com propriedade e confiança. E esse processo é sempre trabalhoso,
podendo ser também estressante caso o professor não tenha apoio necessário.
Considerando ainda que estamos imersos no frágil e incerto
contexto da pandemia, é possível que os professores estejam se sentindo
inseguros, principalmente, em relação à sua saúde e a de seus familiares e
pessoas próximas. Isso precisa ser legitimado pela escola, que por sua vez,
necessitará investir no diálogo com seu corpo docente para que, juntos, possam
alinhar expectativas e pensar em outras estratégias para essa nova etapa
escolar, contemplando o bem-estar de todos, especialmente dos
professores, pois são eles que estão atuando diretamente com os alunos.
Quais são as dicas para os professores
melhorarem sua saúde mental e lidar melhor com esse período?
A pandemia abalou três necessidades básicas do ser humano: a
pertença( relacionado aos vínculos afetivos,a importância de se sentir
compreendido), a competência( relacionada à capacidade de estar no controle) e
a autonomia( relacionado a nossa capacidade de tomar decisões tendo em vista as
consequências). Portanto, precisamos estar atentos a esses aspectos em especial
porque eles vão reverberar nas nossas formas de pensar, sentir e agir.
Precisamos observar os sinais de cansaço, irritação, ansiedade e tristeza. Sempre
que algum sentimento impedir aquilo que precisamos realizar, é preciso ligar o
sinal de alerta. Respirar, falar sobre o assunto que aperta o peito e buscar
ajuda especializada podem ser alguns caminhos.
Os professores ocupam um lugar de destaque dentro da
sociedade que, apesar de pouco reconhecido e valorizado atualmente, é de
bastante responsabilidade e extremamente exigido. E, vivemos um momento em que
todos os olhares se voltam para eles, como se estivesse apenas nas suas mãos a
solução para os problemas gerados pela pandemia. Para não cair na cilada do
herói, é importante que os professores entendam que são primeiramente humanos e
que por isso, podem direcionar para si mesmos o olhar generoso que direcionam
para os seus alunos, respeitando assim, os seus próprios limites.
Para evitar o aumento de estresse, o planejamento da semana,
equilibrando suas necessidades pessoais e de trabalho pode ser um excelente
investimento de tempo. É fundamental reservar em alguns pontos da semana ou do
dia para relaxamento. Às vezes, parar dez minutos para tomar um café longe da
tela pode ser tudo que se precisa para recarregar, para arejar a cabeça. Se
puder se exercitar ou apenas esticar o corpo, melhor ainda! Outra coisa
importante é se perguntar quanto às prioridades. Quais são as prioridades? O
que é urgente de verdade? Será que é possível distribuí-las, endereçá-las
melhor ou até partilhá-las com alguém?
Outro aspecto a ser considerado é relativo à quantidade de
horas trabalhando. Se a hora para começar é importante de ser cumprida, a hora
de encerrar é igualmente importante. Respeite o seu tempo.Dê limites a quem
invadí-lo. Lembrem das crianças que, mesmo quando estão no meio da brincadeira,
pedem "autos" para descansar, tomar fôlego e seguir brincando. Nosso corpo
precisa de pausas para pensar melhor e para a gente ser mais feliz com o que
faz.
Da mesma maneira que
o professor procura a todo custo e , principalmente no atual contexto, evitar
exigências desnecessárias com os alunos, esse mesmo cuidado precisa ser
direcionado a ele próprio. Fortalecer o que já faz bem pode ser um caminho mais
tranquilo e promissor no cuidado com a saúde mental.