Estabilidade
política? Conheço só de ouvir dizer. Os períodos menos inseguros ou operando
com alguma estabilidade, desde que observo a política brasileira em meus 75
anos, têm sido momentos de transição para uma instabilidade vindoura, certa
como o inverno gaúcho que se aproxima. Em analogias gastas pelo uso, temos
experimentado "bolhas" de estabilidade, efetuado voos de galinha. São
períodos durante os quais material explosivo vai sendo acumulado nas relações
políticas e sociais e permanece à espera de uma ignição. Ou de um alfinete que
acabe com a bolha. Ou de uma receita que precise da galinha.
O atual
período de instabilidade, por exemplo, iniciou no ano de 2013 com os
"vinte centavos" nas passagens de ônibus e, de lá para cá, resistiu a todos os discursos que se
empenharam em fazer crer que o Brasil era um reino de príncipes perfeitos,
solidez institucional e convicção democrática lavrada em granito. Não vou
chover nesse charco, mas já são sete anos de crise.
Quero
avançar mais na questão da instabilidade, da qual o momento presente enche o
palco com atores políticos institucionais e extrainstitucionais que brincam de
Salomé querendo a cabeça de Bolsonaro. Mesmo aqueles congressistas viajantes no
eterno trem da alegria do centrão, que se aproximam do presidente, gostariam de
vê-lo pelas costas, não se metendo nos seus negócios, pois era assim - que
diabo! - que a banda vinha tocando desde 1985.
Não
bastasse isso, começam a chegar ao plenário do Tribunal Superior Eleitoral
ações que tratam da cassação da chapa Bolsonaro/Mourão na eleição de 2018. São cinco oportunidades para derrubar o
governo. Cinco! Fico imaginando a dificuldade do cidadão, que foi às urnas e
decidiu com seu voto aquele pleito, em entender como as campanhas eleitorais
podem estar sendo revisitadas e reexaminadas um ano e meio depois! Como se
sabe, em presença de alguma ilegalidade grave, a chapa será cassada e nova
eleição, convocada. Se uma decisão assim ocorrer antes do fim deste ano, haverá
nova eleição na Terra Brasilis; se depois, a eleição será indireta pelo
Congresso. Ou seja, será presidente quem construir maioria com o centrão...
O TSE já
se defrontou com uma ação assim, há exatos três anos, quando julgou a chapa
Dilma/Temer acusada de grave ilegalidade. A presidente fora cassada pelo Senado
(31/08/2016) e o mandato de Temer iria até 31 de dezembro de 2018. Com a nação
em suspense, o TSE decidiu decidir; se absolvesse a chapa, Temer completaria o
ano e meio de mandato restante; se a condenasse, haveria eleição de um novo
presidente pelo Congresso. O ministro Herman Benjamin, relator do caso, estava tão convicto da culpa da coligação que
dramatizou assim a situação: "Quero dizer que tal qual cada um dos seis outros ministros que estão aqui
nessa bancada, eu como juiz me recuso ao papel de coveiro de prova viva".
Contados os votos, foram dados quatro pela
absolvição e três pela condenação. Por um voto Temer se manteve na presidência
da República.
Tudo de acordo com a Constituição. O que está
mais errado é nosso sistema de governo que coloca todas as fichas na eleição de
uma pessoa, e o modelo institucional que lhe dá o poder com uma das mãos e tira
com a outra. Também isso, como quase tudo no sistema, é ótimo para quem gosta
de viver perigosamente. Eu não gosto.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.