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quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Drinks ‘contaminados’ por metanol: professor de Química explica por que composto é tão tóxico

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Apesar de irônico, o “antídoto” é administrar outro álcool, o etanol, que neutraliza o metanol por causa das enzimas, diz o professor de Química Michel Arthaud, da Plataforma Professor Ferretto 

 

A confirmação de quatro mortes e vários casos de intoxicação após ingerir bebida alcoólica na Grande São Paulo acendeu um alerta sobre um perigo silencioso e letal: o metanol. A substância, popularmente conhecida como álcool metílico e utilizada como solvente industrial, foi detectada em bebidas adulteradas, levando a consequências gravíssimas à saúde, incluindo óbito. 

Mas, afinal, o que é o metanol e por que ele é tão perigoso? E, de forma aparentemente contraditória, por que o etanol – o álcool das bebidas comuns – é o “antídoto” para esse tipo de envenenamento? O professor Michel Arthaud, que leciona Química na Plataforma Professor Ferretto, explica que tudo pode ser resumido em moléculas e enzimas. 

De acordo com o professor Michel, a principal “armadilha” do metanol está em sua semelhança inicial com o etanol. "O metanol é um álcool simples, assim como o etanol. A grande diferença está no que o nosso organismo faz com essas duas moléculas", explica. 

O fígado humano produz uma enzima chamada álcool desidrogenase (ADH), responsável por iniciar a metabolização de qualquer tipo de álcool. É neste ponto que a tragédia começa. "A enzima ADH não é muito seletiva. Ela oxida tanto o etanol quanto o metanol, iniciando o processo de quebra dessas moléculas", detalha. 

Enquanto a metabolização do etanol gera subprodutos que o corpo consegue eliminar com relativa segurança, o mesmo não acontece com o metanol. "O metanol é oxidado a formaldeído pela enzima ADH. E, imediatamente, outra enzima transforma esse formaldeído em ácido fórmico. E é esse ácido fórmico o grande vilão da história", alerta o professor. 

O ácido fórmico é uma substância extremamente ácida e tóxica. Seu acúmulo no sangue causa uma condição chamada acidose metabólica severa, que ataca principalmente o sistema nervoso, incluindo o nervo óptico. "É por isso que um dos sintomas clássicos da intoxicação por metanol é a cegueira. O ácido fórmico destrói o nervo óptico. Em doses mais altas, leva ao coma e à parada cardiorrespiratória", ressalta.

 

O “antídoto” irônico: mais álcool 

Diante de um quadro tão grave, a solução pode parecer estranha: “intoxicar” o paciente com outro álcool é uma das opções.

“Um tratamento muito usado para a intoxicação por metanol é a administração de etanol, seja por via oral ou intravenosa", explica Michel. "A estratégia é uma competição enzimática. Tanto o metanol quanto o etanol 'disputam' a atenção da mesma enzima, a ADH. Esse tratamento ocorre quando o estabelecimento não possui fomepizol (4-metilpirazol), que é um inibidor da álcool desidrogenase que não possui nenhum dos efeitos adversos do etanol na administração”, conclui.
 

A chave desse tipo de tratamento está na afinidade. "A enzima ADH tem uma afinidade muito maior pelo etanol do que pelo metanol. Quando saturamos o organismo com etanol, a enzima ficará 'ocupada' metabolizando apenas o etanol, ignorando praticamente o metanol", explica. 

Com a enzima bloqueada pelo etanol, o metanol circulante não é convertido em seus subprodutos tóxicos. "Dessa forma, o metanol permanece inalterado na corrente sanguínea e é lentamente eliminado pelos rins, sem causar os danos catastróficos do ácido fórmico", completa o especialista. Paralelamente, os médicos corrigem a acidose com bicarbonato de sódio e, em casos mais severos, utilizam a hemodiálise para filtrar tanto o metanol quanto o etanol do sangue. 

O etanol é usado como antídoto funcional contra intoxicação por metanol. Michel reforça novamente que apesar de eficaz, hoje ele é considerado uma alternativa secundária ao fomepizol.

 

Como evitar a intoxicação? 

O professor reforça que a aparência e o cheiro do metanol podem ser indistinguíveis dos do etanol, tornando a adulteração uma ameaça invisível. “No momento, a melhor opção é evitar destilados e aguardar novos pronunciamentos das autoridades. Além disso, sempre adquirir bebidas apenas em estabelecimentos comerciais legalizados e ficar atento a preços anormalmente baixos, que podem ser um indicativo de produto falsificado”, recomenda o professor. 

Em caso de suspeita de intoxicação – com sintomas como náuseas, vômitos, dor abdominal, tontura, visão turva ou embaçada –, é fundamental procurar imediatamente um serviço de emergência. “O socorro rápido é um fator crucial para a administração do antídoto e a sobrevivência, com o mínimo de sequelas”, finaliza.

 

 Plataforma Professor Ferretto

 

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