“O
projeto representa uma mudança estrutural na responsabilidade dos hospitais”
A
Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 3239/24, que
altera o Estatuto da Pessoa com Deficiência para obrigar hospitais a fornecerem
um acompanhante a pacientes com deficiência que estejam desacompanhados e
solicitem esse apoio.
A
proposta, de autoria do deputado Zé Haroldo Cathedral (PSD-RR), ainda precisa
tramitar pelas comissões de Finanças e Tributação, Constituição e Justiça e, se
aprovada, seguirá para o Senado Federal. Portanto, a medida ainda não está em
vigor, mas já levanta importantes discussões no setor da saúde.
Para
o advogado Gustavo Clemente, especialista em Direito Médico e da Saúde,
pós-graduado em Administração Hospitalar, sócio do Lara Martins Advogados e
presidente do Sindicato dos Hospitais do Estado de Goiás (SINDHOESG),
o projeto representa uma mudança estrutural na responsabilidade dos hospitais.
“Hoje, a obrigação é permitir e garantir condições para a permanência de um
acompanhante. Com a nova lei, o hospital passa a ter uma obrigação de fazer, ou
seja, de fornecer ativamente esse profissional. Isso altera o regime de
responsabilidade civil da instituição”, explica.
Segundo
Clemente, a falha em fornecer o acompanhante, quando solicitado, poderá
configurar omissão e gerar responsabilidade civil direta. “Se o paciente sofrer
qualquer dano físico ou moral que poderia ter sido evitado com a presença do
acompanhante, o hospital poderá ser acionado judicialmente, inclusive com base
no Código de Defesa do Consumidor”, alerta.
Além
dos aspectos jurídicos, o advogado destaca os desafios operacionais e
financeiros. “Quem arcará com os custos desse serviço? Os hospitais precisarão
renegociar contratos com operadoras de saúde, já que o serviço não está
previsto no Rol da ANS. A ausência de previsão contratual pode gerar disputas e
desequilíbrio econômico-financeiro nos contratos vigentes”, afirma.
Outro
ponto crítico é a falta de definição legal sobre o perfil do acompanhante. “A
lei não especifica se o acompanhante deve ser um cuidador, um técnico de
enfermagem ou outro profissional. Isso gera uma lacuna que recai sobre o
hospital, que terá de definir, contratar, treinar e assumir a responsabilidade
por esse profissional. Inclusive, será necessário reforçar os seguros de
responsabilidade civil e criar protocolos de conduta para mitigar riscos de
imperícia, negligência ou imprudência”, completa.
O
especialista recomenda que os hospitais comecem a se preparar antes mesmo da
sanção da lei. “É fundamental desenvolver políticas internas, fluxos de
solicitação, critérios de qualificação do acompanhante e um ‘Termo de
Designação e Ciência’ para que o paciente compreenda os limites da atuação
desse profissional. Também será necessário garantir conformidade com a LGPD, já
que o acompanhante terá acesso a dados sensíveis do paciente.”
Do
ponto de vista estrutural, o presidente sugere que os hospitais realizem
estudos de impacto orçamentário e avaliem o modelo mais viável: contratação
direta ou terceirização do serviço. “A terceirização pode mitigar riscos
trabalhistas, mas exige fiscalização rigorosa do contrato e da qualidade do
serviço prestado.”
Caso
a lei seja aprovada e descumprida, Clemente aponta que os pacientes poderão
buscar medidas extrajudiciais e judiciais. “Na esfera extrajudicial, é possível
enviar notificação formal ao hospital, registrar reclamações no Procon e na
ANS, especialmente se houver negativa por parte da operadora de saúde.
Judicialmente, o paciente pode ingressar com uma ação de obrigação de fazer com
pedido de tutela de urgência, solicitando que o juiz determine o fornecimento
imediato do acompanhante, sob pena de multa diária.”
Apesar
de reconhecer a intenção nobre do projeto, o advogado faz um alerta: “A
proposta não define a fonte de custeio, o que pode inviabilizar sua
implementação, especialmente em hospitais de pequeno porte. É essencial que o
setor hospitalar atue junto ao Congresso, principalmente na Comissão de
Finanças e Tributação, para condicionar a obrigação à existência de cobertura e
remuneração adequada”, finaliza.
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