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sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Kayfabe 2.0: Quando o show rouba o emprego do fato

Você já ouviu ou conhece a expressão kayfabe? A palavra provavelmente vem de uma gíria americana, possivelmente uma versão disfarçada de “be fake” (ser falso), que se tornou amplamente usada nos círculos de wrestling (luta livre) nos anos 1980.

No wrestling profissional (WWE - World Wrestling Entertainment), kayfabe é o pacto silencioso entre público e lutadores: todos sabem que é encenação, mas fingem que é real, por puro e simples entretenimento. O drama é bom demais para ser estragado pela realidade. 

Fazendo um paralelo com os tempos atuais, já notou que o mundo está exatamente assim? A linha entre verdade e encenação está cada vez mais tênue, seja na política, na comunicação ou na vida corporativa. A política e o jornalismo viraram entretenimento, e as redes sociais, um verdadeiro ringue, inundados de narrativas polarizadas, fake news e disputas acirradas por atenção.

Líderes e personalidades se transformaram em personagens caricatos de um espetáculo fabricado com falas pensadas para viralizar, critérios dramáticos (e, muitas vezes, irresponsáveis) e enredos que distorcem os fatos e nos afastam da realidade. Atualmente, temos exemplos muito claros de como políticos criam uma narrativa contínua, em que tudo que dizem e fazem reforça um papel, mesmo que fatos desmintam suas falas. 

No artigo The Populist Style and Public Diplomacy: Communication Strategies of Donald Trump, os pesquisadores Paweł Surowiec e Christopher Miles analisam o discurso do político e apontam sua comunicação como uma espécie de kayfabe: provocativa, teatral, voltada ao confronto e à manutenção de uma persona pública coerente, mesmo diante de contradições factuais.

Na política moderna, por exemplo, a construção da percepção importa mais que a verdade objetiva. Não se trata mais de informar, governar ou viver por um propósito, mas de manter o show de pé. E a qualquer custo! 

Nesse mundo polarizado e “rede-socializado”, tudo o que é dito é rapidamente rotulado, elevado a meme ou a manifesto, e jogado para um dos lados da arquibancada ideológica. Quem fala alto, contradiz e provoca, ganha mais poder. 

Mas e nós, como ficamos diante disso tudo? 

Muitas vezes, sedentos por pertencimento, inseguros e carentes de líderes e instituições inspiradoras, nos tornamos figurantes nesse espetáculo: doamos nossas vozes, nossas mentes e nossos afetos para narrativas que nos entretêm. Aparentemente nos engajam, mas, na realidade, nos enganam e não nos transformam.

Vivemos um kayfabe 2.0. E talvez a pergunta mais urgente seja: quem está escrevendo o roteiro que você está consumindo? E por que seguimos aplaudindo? Ao reconhecer o conceito de kayfabe, diferenciamos os discursos encenados para emocionar, dividir ou influenciar, do que é realmente fato.

Tenho defendido que é hora de nos reaproximarmos do nosso propósito, revermos comportamentos, buscarmos sempre a verdade e adotarmos uma postura protagonista, porém, responsável, como co-criadores da transformação cultural que o mundo e a sociedade atual tanto carecem.

 

Alain S. Levi - fundador e CEO da Motivare e autor do livro Marketing sem blá blá blá - inspirações para transformação cultural na era do propósito.


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