Adoção de medidas
preventivas para a proteção da saúde mental do trabalhador, como determina a
nova regra, esbarra na cultura das organizações
nuttapong_mohock
A NR-1 (Norma Regulamentadora nº 1) passa a
incluir, de forma obrigatória, riscos psicossociais no Gerenciamento de Riscos
Ocupacionais (GRO) em empresas com mais de 100 funcionários. Embora o prazo
para a adaptação às exigências da NR-1 tenha sido estendido por 12 meses, a
partir do dia 26 de maio o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) vai iniciar
fiscalizações, sem multas ou penalidades, com a proposta educativa de orientar
os empregadores. Mesmo ganhando mais tempo para os ajustes, grande parte das
empresas vem enfrentando gargalos na adoção de medidas preventivas que visam à
proteção da saúde mental dos trabalhadores.
Atualizada no ano passado, por meio da Portaria MTE
nº 1.419/2024, a nova regra inclui uma abordagem a gestão de riscos
psicossociais, como estresse, assédio e sobrecarga de trabalho.
Na avaliação de Aline Oliveira, diretora da
IntelliGente Consult, empresa de consultoria e mentoria especializada em
estratégias, programas e projetos empresariais, o principal gargalo na
adaptação das organizações às exigências da NR-1 é cultural. “O que hoje é
avaliado como risco psicossocial, tanto em benefício do trabalhador quanto do
empregador, se separa por uma linha tênue do modo de operação esperado e
valorizado nas empresas”, observa. Como “modo de operação”, a executiva elenca
metas agressivas, jornadas exaustivas e cobranças excessivas, “que sempre foram
o modus
operandi de organizações com maior intenção de crescimento e
lucratividade”.
A implementação das normativas de atenção e cuidado
aos riscos psicossociais vem como resposta a uma crise identificada de saúde
mental e social. De acordo com levantamento da Ipsos, empresa especializada em
pesquisa de mercado e opinião pública, feita que em 31 países, incluindo o
Brasil, e que resultou no Relatório do Dia Mundial da Saúde Mental,
62% dos entrevistados afirmam ter se sentido estressados a ponto de identificar
reflexos na vida diária. Para a maioria (41%), a saúde física nos países é
tratada com maior relevância pelos sistemas de saúde do que a saúde mental
(13%).
No Brasil, especificamente, o número de
afastamentos por ansiedade e depressão em 10 anos é recorde, revela o
Ministério da Previdência Social. Somente em 2024 foram registrados mais de 470
mil afastamentos do trabalho por transtornos mentais. No perfil dos
profissionais afastados, a maioria é formada por mulheres, impactadas por
sobrecarga de trabalho, menor remuneração, responsabilidade com o cuidado
familiar e violência.
Embora a nova regra demarque um novo paradigma na
forma como as organizações lidam com os riscos ocupacionais, incluindo agora a
saúde mental como uma prioridade na gestão de segurança no trabalho, Aline
Oliveira destaca a demora do Brasil, mesmo diante do alto índice de
afastamentos do trabalho por transtornos mentais, para se alinhar à tendência
global de bem-estar e saúde mental, algo que já é praticado há pelo menos 25
anos na Europa, por exemplo.
“A visão sobre saúde mental no Brasil, motivo de
preconceito, faz com que o trabalhador adoecido evite falar ou tratar do assunto,
especialmente nos ambientes de trabalho. Quando identificados, os problemas já
estão em fase crítica e avançada”, afirma a diretora da IntelliGente. “Mas as
novas gerações, especialmente de classes sociais mais privilegiadas, que podem
optar por deixar ambientes adoecedores, tem se posicionado sobre isso de modo
diferente, com maior preocupação ao seu bem-estar e saúde, o que também tem
colaborado para um olhar mais atento das empresas na forma de fazer negócios.”
O “prazo estendido” para adaptações à NR-1, segundo
Aline Oliveira, é um momento para que as organizações invistam em iniciativas
adequadas às suas realidades. “O primeiro ponto nesse processo é a análise dos
passivos trabalhistas para entender a correlação com os riscos psicossociais”,
diz. “Realizar um diagnóstico da operação e da liderança para detectar onde
estão os principais riscos, adequar políticas, desenvolver uma estratégia de
confiança com os colaboradores para tratar as questões psicossociais ainda em
etapa inicial, implementar ações e monitorar resultados, avaliando efeitos e
corrigindo rotas são estratégias a serem adequadas ao modelo de negócio, sempre
acompanhadas por indicadores financeiros”, completa.
Em síntese, a adaptação das empresas à NR-1,
ressalta a executiva, vai impor aos empregadores a identificação, gestão e
mitigação dos riscos psicossociais no ambiente de trabalho. “Neste contexto, é
importante que as empresas tenham o suporte de uma consultoria especializada
para avaliar o cenário da organização, identificar as origens dos riscos
psicossociais, sua gravidade e a probabilidade de ocorrência”, diz. Esse
trabalho também pode abranger o treinamento e a capacitação de lideranças e
equipes, além da análise jurídica de casos já ocorridos nas empresas.
“Com a NR-1, o momento é propício a integrar
estratégias que visem um modelo de gestão mais humano e ético, combinado com a
produtividade e a reputação das organizações”, conclui Aline Oliveira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário