A epilepsia é uma doença neurológica que se caracteriza por uma predisposição do cérebro a gerar crises epilépticas ao longo da vida. Esta é uma das condições neurológicas mais prevalentes no mundo, atingindo cerca de 1% a 2% da população mundial, em todas as regiões e de todas as idades
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 50 milhões de pessoas no mundo têm epilepsia ativa, ou seja, estão em tratamento ou tiveram crises no último ano. Apesar de ser uma doença potencialmente grave e ainda haver um considerável atraso no diagnóstico, a grande maioria das pessoas com esta condição terá suas crises controladas se tiver acesso ao tratamento adequado.
A epilepsia, ainda
hoje, é uma doença alvo de estigma e muito preconceito. Existem muitos
conceitos falsos acerca do tema que amplificam a baixa autoestima e a sensação
de insegurança entre pacientes e seus familiares.
Para promover a
conscientização sobre a doença, foi criado, em 2008, o Purple Day (Dia Roxo),
no Canadá, pela jovem Cassidy Megan. Todos os anos, no dia 26 de março, as
pessoas são convidadas a usar uma peça de roupa na cor roxa para chamar a
atenção sobre esta causa. O movimento cresceu mundialmente e, no Brasil, há
inclusive leis que instituíram o “março Roxo – Mês Estadual de Defesa dos
Direitos da Pessoa com Epilepsia”.
A Academia
Brasileira de Neurologia (ABN), em parceria com a Liga
Brasileira de Epilepsia (LBE), vê o momento como uma excelente oportunidade
para desmistificar o tema, promovendo ações educativas e criando espaços de
debate público. A neurologista Juliana Passos de Almeida, membro do
Departamento Científico de Epilepsia da ABN e da diretoria da LBE, tira, a
seguir, as principais dúvidas sobre a doença. Confira!
O que
é a epilepsia?
“Os pacientes com
epilepsia são muito diferentes entre si porque existem diferentes causas para
epilepsia e diferentes crises epiléticas. A crise epilética acontece quando,
por algum motivo, grupos de neurônios do cérebro geram uma atividade elétrica
anormal. Essa atividade elétrica anormal perturba a função daquela região
momentaneamente”, explica a Dra. Juliana Passos de Almeida.
Por isso, há
diferentes manifestações de crises. Dependendo da região que é acometida, há diferentes
sinais e sintomas. “A crise epilética mais conhecida é a crise tônico clônica,
também conhecida popularmente como convulsão, em que o paciente cai, perde
a consciência e apresenta abalos no corpo. Mas existem outros tipos de crises
menos conhecidas, como, por exemplo, crises em que a pessoa se desconecta
momentaneamente do ambiente, mantém os olhos fixos, ou crises em que a pessoa
tem movimento ou abalo em apenas uma parte do corpo, no braço ou na perna, entre
outros”, exemplifica a neurologista.
Diagnóstico
e tratamento
O diagnóstico de
epilepsia depende muito da conversa entre o médico e o paciente, da história
clínica. “O médico precisa entender como são esses eventos que o paciente tem
vivenciado, quanto tempo eles duram, quais são as características, em que
circunstâncias eles acontecem, para compor o conjunto de informações que vai
levar ao diagnóstico final”, diz a médica.
A
epilepsia é uma doença neurológica genética?
A epilepsia não
necessariamente é uma doença genética. Na verdade, muitas doenças causam
epilepsia, doenças completamente diferentes entre si. Há desde causas genéticas
até lesões na estrutura do cérebro causadas por intercorrências na hora do
nascimento, acidente vascular cerebral, traumatismo craniano, até situações em
que a não é possível identificar a causa.
Quais
os principais sintomas?
O principal
sintoma da doença são as crises epilépticas. As crises epilépticas têm
múltiplas apresentações, porque vão depender de qual local do cérebro está
sendo acometido transitoriamente. Por exemplo, se a região acometida pela
atividade elétrica anormal for a região da visão, o paciente pode ter uma
experiência visual, um sintoma visual, que dura alguns segundos ou minutos. Se
a área acometida for a região que comanda o movimento do corpo, ele pode,
então, ter um abalo, uma contratura anormal daquele membro. Se a crise
epiléptica é mais espalhada nos dois lados do cérebro, o paciente pode, de
fato, perder a consciência e apresentar abalos dos dois lados do corpo. Esse é
o tipo de crise conhecida como convulsão.
Há uma
idade em que a epilepsia se manifesta?
A epilepsia pode
acontecer em qualquer idade. O paciente pode apresentar a primeira crise logo
no seu primeiro ano de vida, na infância, na adolescência. A epilepsia pode se
iniciar na idade adulta ou até mesmo no idoso. Existem duas idades em que isso
acontece mais frequentemente: na criança, sobretudo no primeiro ano de vida, e
no idoso, principalmente em indivíduos acima dos 65 anos. Essas duas faixas de
idade são consideradas faixas de risco para epilepsia. No primeiro ano de vida
por conta de complicações associadas ao parto, ao nascimento, e, também,
doenças genéticas e metabólicas, e, no idoso, associada a complicações ao longo
da vida, como acidente vascular cerebral, tumores cerebrais ou doenças
degenerativas.
Qualquer
convulsão é uma crise epiléptica? Como diferenciar?
Nem toda convulsão
é uma crise epiléptica. O termo convulsão é usado para descrever a queda com
movimentos dos dois lados do corpo, mas é possível ver esse tipo de
manifestação em outras condições que não são epilepsia. O que vai ajudar o
médico a diferenciar uma coisa da outra é justamente entender os detalhes
desses eventos. Alguns quadros cardíacos, queda na pressão arterial e, também,
quadros psiquiátricos podem ser muito parecidos com as crises epilépticas.
A
epilepsia tem tratamentos? Quais?
A epilepsia tem
tratamento. Na verdade, a grande maioria dos pacientes vai permanecer muito bem
com o primeiro ou segundo tratamento tentado. Esse tratamento se baseia no uso
de medicamentos, que vai resolver 70% dos casos. Esses medicamentos podem ser
usados em associação, ou seja, alguns pacientes precisam de dois ou mais
medicamentos associados. Para alguns pacientes, existe a possibilidade de
cirurgias. Existe a possibilidade de tratamento com neuromodulação e, também,
de tratamento utilizando a dieta cetogênica para alguns casos.
O que
há de novo nos cuidados com a epilepsia?
As descobertas em
torno da epilepsia não param e hoje existe uma possibilidade cada vez maior de
especificidade no diagnóstico, para saber qual a doença causa a epilepsia de
determinado paciente, porque são muitos os avanços no campo da genética, da
neuroimagem, que não permitiam esse diagnóstico no passado. O diagnóstico
preciso pode ampliar as opções de tratamento. Além disso, surgem cada vez mais
medicamentos que possibilitam a individualização do tratamento, tornando
possível controlar as crises do paciente sem que ele sofra tanto com os efeitos
colaterais das drogas.
Técnicas cada vez
mais avançadas de neuromodulação vêm sendo desenvolvidas na tentativa de ajudar
esses pacientes. Do ponto de vista do entendimento do paciente, também existe
uma percepção cada vez mais clara de que a epilepsia não é apenas uma doença
que causa crises epilépticas, mas também que tem impacto do ponto de vista
social, psiquiátrico e cognitivo. Por isso, hoje, cuidar do paciente com
epilepsia é também cuidar de todas essas esferas.
Por
que há tanto estigma em torno da doença?
O estigma em torno
da epilepsia é tanto maior quanto maior é a desinformação sobre a doença, por
isso é muito importante existir um dia de conscientização sobre a epilepsia,
como este 26 de março. É imprescindível falar sobre esse tema, debater,
publicar conteúdo nas redes sociais, trocar ideias, para que realmente seja
possível desmistificar a doença e combater o excesso de informações equivocadas
que existem em torno da epilepsia. Quanto mais o paciente e a sua família entenderem
o que é epilepsia, mais seguro e com mais autoestima esse paciente se sentirá,
e isso é fundamental.
O que
fazer se alguém tiver uma crise epilética do meu lado?
Se alguém tem uma
crise epiléptica ao seu lado, o primeiro ponto é manter a calma. A crise
epiléptica dura, na maioria das vezes, de segundos a dois minutos e vai cessar
espontaneamente, em grande parte dos casos. O que você precisa entender é que
esse paciente não oferece risco para as outras pessoas, ao contrário, ele
precisa ser protegido. O primeiro ponto é virar o paciente de lado para que ele
não aspire as secreções da cavidade oral, o que aumenta o risco de aspiração.
Além disso, afastar objetos perigosos que podem machucá-lo e proteger a cabeça
com algum objeto macio. Quando a crise cessa, o paciente pode ficar um pouco
confuso ou sonolento. É importante manter o ambiente calmo, evitar estímulos
que sejam entendidos como ameaças para aquele paciente e que provoquem
sofrimento nessa fase pós crise. É importante ficar ao lado do paciente e
protegê-lo até a plena recuperação da consciência.
É fundamental
ainda contar o tempo da crise. Se uma crise dura muito tempo (aqui utilizamos o
tempo limite de cinco minutos), ela está fora do parâmetro de tempo esperado
para uma crise comum. Isso configura uma emergência médica. Nessa situação,
deve-se chamar o SAMU.
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