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Quando criança, adorava brincar recortando personagens de revistas. Pequenas gravuras de animais, figuras de desenho animado. Eu retirava a tampa de uma caixa de ovo, que rapidamente virava um ônibus, e meus recortes se tornavam passageiros. Eles iam para a escola que eu imaginava. Cuidava com tanto zelo daqueles pequenos pedaços de papel.
Confiante, eu era dona da escola. Determinava a
rotina dos meus supostos alunos. Organizava suas atividades, estabelecia regras
e guiava suas pequenas jornadas fictícias com a convicção de quem sabe o que
faz. Nunca ninguém me disse que não poderia ser dona de uma escola. Então, hoje
questiono: por que, com os anos, perdemos essa confiança? Por que passamos a
questionar nossa própria capacidade?
A resposta não está apenas nas experiências que
acumulamos, mas no que aprendemos a duvidar de nós mesmas. O fenômeno da síndrome da
impostora,
tão comum entre mulheres no ambiente de trabalho, se alimenta da crença de que
não somos tão competentes quanto aparentamos. Ainda que tenhamos qualificação,
experiência e habilidades para estar onde estamos, a sensação de que não
pertencemos ao espaço ou que em breve alguém vai "descobrir" nossa
suposta incompetência nos assombra.
Essa insegurança não surge do nada. Historicamente,
as mulheres foram ensinadas a se provar o tempo todo. Desde cedo, aprendemos a
minimizar nossas conquistas e a esperar validação externa. Em ambientes
corporativos ou de liderança, esse comportamento se torna ainda mais evidente:
quantas vezes nos pegamos pedindo desculpas antes de dar uma opinião em uma
reunião? Ou recusamos uma promoção porque sentimos que ainda não estamos
"prontas"?
O impacto desse sentimento vai além da autossabotagem.
Ele contribui diretamente para a baixa representatividade feminina em cargos de
liderança e inovação. Mulheres altamente capacitadas hesitam em se candidatar a
oportunidades simplesmente por acreditarem que precisam atender 100% dos
requisitos.
Então, como resgatamos a confiança que tínhamos na
infância, quando não duvidávamos do nosso direito de sonhar? O primeiro passo é
reconhecer a síndrome da impostora como uma narrativa imposta, e não como um
reflexo da realidade. Precisamos nos lembrar de que nossa trajetória é fruto de
esforço e competência, não de sorte ou de um erro de avaliação alheio.
Se um dia fui capaz de transformar uma simples
caixa de ovo em uma escola inteira, por que não poderia, hoje, ser capaz de
ocupar qualquer espaço que desejar?
A criança que brincava no chão da sala com seus
recortes jamais questionou seu potencial. Talvez seja hora de nos reconectarmos
com essa versão de nós mesmas — aquela que, sem limitações impostas, acreditava
plenamente na própria capacidade de criar, liderar e transformar o mundo ao seu
redor.
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