Um almoço em família ou um café com amigos nunca mais foi o mesmo com o smartphone. Com as redes sociais e mais recentemente a hype das inteligências artificiais, as relações humanas foram transformadas. É claro que estes recursos ajudam muito, mas uma ameaça as boas relações humanas presenciais, diminuindo a empatia e inibindo as interações fora do ambiente virtual. Neste texto, vamos trazer algumas pessoas, além de nós, que tem pensado muito nessa transformação material-digital, e alguns que já discutem isso há muito tempo.
No ambiente digital, o indivíduo é aprisionado
dentro de sua própria bolha, contrastando com o pensamento analógico humano.
Sherry Turkle, no livro “Alone Together”, discute como a tecnologia digital que
conecta pessoas pode levar à solidão e à desconexão no mundo real. Byung-Chul
Han, em "Não-coisas", argumenta que o pensamento analógico envolve
analisar e corresponder, respondendo a uma voz que nos dispõe e sintoniza.
Corresponder significa estar disposto a ouvir e atender ao apelo do outro,
envolvendo escuta, sintonização e ação. Em contraste, a inteligência
artificial, por sua natureza, não pensa verdadeiramente, pois nunca está fora
de si mesma; ela é surda, incapaz de perceber a voz que nos conecta.
A comunicação digital, apesar de conectar,
empobrece as relações humanas ao limitar a interação física e sensorial,
essencial para a experiência completa do mundo. Merleau-Ponty, em sua
fenomenologia, enfatiza a importância do corpo e dos sentidos na percepção e
vivência do mundo. Marshall McLuhan, em 1964, já previa muitos dos debates
atuais ao destacar como os meios de comunicação afetam nossa percepção e
interação com o mundo. O digital é visual e auditivo, excluindo outros sentidos
para uma experiência humana completa. Assim, o digital elimina a interação
pessoal, a afeição e a presença, acelerando o desaparecimento do outro. O
excesso dos estímulos visuais nas telas, dificulta a experiência da presença
real. A redução do contato físico nos priva de estímulos sensoriais como
olfato, paladar e tato, limitando-nos a superfície da presença. Baudrillard
argumenta que a mídia e a tecnologia transformam a realidade em uma série de
imagens e signos, desumanizando e despersonalizando o outro.
Além de proporcionar uma experiência sensorial
reduzida, a enxurrada de informações visuais digitais, especialmente nas redes
sociais, simplifica e banaliza a realidade, levando à Síndrome da Fadiga de Informação
(STI) e à perda da capacidade de atenção e pensamento crítico. Nicholas Carr,
em "O que a internet está fazendo com nosso cérebro", discute a
redução da capacidade de atenção e profundidade de pensamento na atualidade. O
excesso de informação enfraquece o pensamento, transformando a
"comunicação comunicativa" em "comunicação cumulativa".
Essa comunicação cumulativa e superficial nos bombardeia com estímulos
sensacionalistas que nos dessensibilizam e nos tornam passivos diante da
realidade. Herbert Simon aponta que a abundância de informações resulta em uma
escassez de atenção, levando à sobrecarga cognitiva e à dificuldade em
processar informações criticamente. Alvin Toffler, em "Choque do
Futuro", descreve um estado de passividade e incapacidade de lidar com a
realidade devido ao excesso de informações e mudanças rápidas. Assim, a
sobrecarga de estímulos digitais não apenas diminui nossa capacidade sensorial,
mas também compromete nossa habilidade de compreender e reagir criticamente o
mundo ao nosso redor.
Para agravar ainda mais a situação, a exposição
constante a imagens violentas na internet, juntamente com a falta de reflexão
crítica, dessensibiliza e diminui a empatia, levando à indiferença do
sofrimento alheio. Martin Buber, filósofo judeu, distingue entre relações
"Eu-Tu" (autênticas e recíprocas) e "Eu-Isso" (utilitárias
e objetificantes). As redes sociais tendem a fomentar relações
"Eu-Isso", onde o outro é visto como um objeto de consumo de
conteúdo. O ser humano se comporta como um espectador letárgico, apontando para
o desaparecimento do outro com o simples rolar dos dedos. Nesse processo, o
outro é coisificado, e o objeto de rolagem não causa dor. Esse ciclo nos
aprisiona cada vez mais, fazendo-nos olhar apenas para nossos próprios “cárceres
de si mesmo”. As redes sociais, ao promoverem essas relações, colaboram para a
alienação e a desumanização nas interações humanas, tornando-nos insensíveis ao
sofrimento dos outros e mais focados em nossas próprias realidades isoladas.
Em última análise, precisamos refletir sobre como reverter essa tendência e resgatar a profundidade das relações humanas. Como disse Saint-Exupéry, “o essencial é invisível aos olhos”, e talvez seja hora de redescobrir o que é realmente essencial em nossas conexões humanas.
Sheron Mendes - Bióloga formada pela PUC-PR, Especialista em Neurobiologia Interpessoal pela Mindsight Institute, Califórnia e Mestranda em Educação e Novas Tecnologias de Ensino pela UNINTER.
Daniel Guimarães Tedesco - Doutor em Física pela UERJ, Professor da Escola Superior de Educação, Humanidades e Línguas e do Programa de Pós-Graduação em Educação e Novas Tecnologias no Centro Universitário Internacional Uninter.
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