Os pesquisadores fizeram uma revisão de 18 estudos desenvolvidos no semiárido, concentrado na Caatinga (foto: Arthur Prudêncio de Araújo Pereira/UFC) |
Bactérias, fungos e arqueias que vivem na terra prestam diversos serviços ecossistêmicos, como a estocagem de carbono, retomando características nativas; resultado contribui com avanço da agricultura sustentável, um dos temas do G20 neste ano
Estratégias aplicadas na
restauração de áreas degradadas têm mostrado resultados promissores em terras
do semiárido brasileiro, melhorando também as propriedades microbianas do solo
e contribuindo para a volta de serviços ecossistêmicos nativos. Entre essas
técnicas estão a retirada ou a restrição do acesso de gado a determinadas
regiões de pasto; o cultivo de espécies para cobertura vegetal e a adoção
de terracing, um procedimento que modifica a topografia em encostas
ou inclinações para controlar a erosão.
Com a recuperação das
propriedades microbianas do solo, além do importante papel de manutenção da
biodiversidade, a produtividade melhora, contribuindo com uma produção
agropecuária sustentável. Esses são os resultados apontados em pesquisa publicada no Journal
of Environmental Management por um grupo de cientistas da Universidade
de São Paulo (USP) e das Federais do Piauí (UFPI), do Ceará (UFC) e do Agreste
de Pernambuco (Ufape). Os pesquisadores fizeram uma revisão de 18 estudos
desenvolvidos no semiárido, concentrado na Caatinga.
No Brasil, 16% do território é
suscetível à desertificação. São mais de 1.400 municípios (de um total de
5.570), distribuídos nos nove Estados da região Nordeste. Englobam cerca de 35
milhões de brasileiros.
Além disso, a biodiversidade da
Caatinga é variada, composta de quase 600 espécies de aves, 240 de peixes, mais
de 170 de mamíferos, entre outras. No bioma, os agricultores familiares estão
entre os mais expostos ao risco climático, e os municípios onde eles se
concentram registraram perdas de produção nas últimas três décadas.
Segundo estudo do
Climate Policy Initiative da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(CPI/PUC-Rio), o aumento da seca na Caatinga provoca uma queda maior na
produtividade do feijão (16%) e do milho (35%), por exemplo, em comparação aos
demais biomas (6% e 16%, respectivamente). No caso da pecuária, a queda de 9%
na produtividade na região se contrapõe ao aumento de 1% nos outros biomas.
“Buscamos entender o microbioma
e suas funções para, a partir daí, enxergar ferramentas que auxiliem a
recuperação de áreas degradadas no semiárido. Vimos que as técnicas de
restauração têm feito com que a biodiversidade microbiana volte e,
consequentemente, haja a retomada de funções e serviços ecossistêmicos mais
similares ao que eram naturalmente”, explica à Agência FAPESP o
professor Lucas William Mendes,
do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena-USP).
Um dos autores do artigo,
Mendes recebe apoio da FAPESP por meio de dois projetos (19/16043-7 e 20/12890-4).
Para
entender
O microbioma é a coleção de
todos os microrganismos, seus materiais genéticos, funções e relação com o
ambiente. Inclui bactérias, fungos, arqueias, protistas e vírus encontrados no
solo. Desempenha importante papel na ciclagem de nutrientes, na decomposição de
matéria orgânica, além de estar ligado à emissão de gases de efeito estufa e correlacionado
com a saúde do solo, refletindo, assim, nas plantas.
Alguns microrganismos
envolvidos na formação e estabilização de matéria orgânica rica em carbono
contribuem para o sequestro do gás e ajudam a mitigar os efeitos das mudanças
climáticas. “Compreendendo como alguns microrganismos vivem e contribuem para o
crescimento de plantas em área seca, é possível descobrir novos inoculantes
visando o desenvolvimento de vegetação nessas regiões”, afirma Mendes.
Por isso, entender como as
técnicas de restauração mexem com o microbioma permite não só compreender como
está a qualidade da terra, mas também reduzir o uso de insumos artificiais e
melhorar a agricultura por meio do potencial biotecnológico.
A produção agropecuária
sustentável vem ganhando cada vez mais destaque e, neste ano, é um dos focos do
grupo de trabalho que vai tratar de questões ligadas aos sistemas agrícolas no
G20. Formado pelas 19 maiores economias do mundo mais a União Africana e a
União Europeia, o G20 está sob a presidência do Brasil desde o final do ano
passado, e a Cúpula de Líderes será realizada em novembro, no Rio de Janeiro.
Para os professores Erika
Valente de Medeiros e Diogo Paes da Costa, da Ufape e autores do artigo, as
pesquisas podem fornecer subsídios para orientar a formulação de políticas
públicas direcionadas ao desenvolvimento sustentável e à mitigação dos impactos
da desertificação. “Essas iniciativas são fundamentais, especialmente ao
incorporar o conceito de saúde global, que reconhece a interdependência entre a
saúde dos ecossistemas, a diversidade microbiana do solo e o bem-estar humano”,
complementa Medeiros.
Impactos
No artigo, os pesquisadores
mostraram que a desertificação no semiárido brasileiro é influenciada por
fatores naturais – baixa pluviosidade da região, as altas taxas de evaporação e
os solos frágeis – e atividades humanas insustentáveis – como a criação de gado
ou uso para agricultura sem o manejo adequado. “O estudo é importante porque
mostra o efeito negativo da desertificação e indica práticas efetivas de
restauração para recuperação da diversidade microbiana no solo”, avalia o
engenheiro agrônomo Ademir Sérgio Ferreira de Araújo,
primeiro autor do artigo e professor na UFPI.
Adotando técnicas moleculares,
como metagenômica e metatranscriptômica, foi possível fazer o monitoramento e a
avaliação dos impactos dos esforços de restauração para o microbioma do solo.
Nas áreas em que houve a
cobertura com nova vegetação, foram usados o cânhamo (Crotalaria juncea)
e o capim-mombaça (Panicum maximum) – planta de origem africana,
disseminada nas regiões tropicais e subtropicais, com alta produtividade de
massa verde por hectare e elevado teor de proteína bruta, o que o torna um
alimento de qualidade para o gado. “Com cobertura das plantas, que muda a química
do solo, conseguimos ver que há melhora na pastagem da região, podendo ampliar
a quantidade de cabeças de gado por hectare, aumentando a produtividade”, diz
Mendes.
Já as áreas de terracing ajudaram
a controlar a erosão, conservar a água e facilitar a agricultura. “É importante
lembrar que a restauração das propriedades microbianas do solo é um processo
complexo e demorado, exigindo compromisso e monitoramento de longo prazo. Daí a
importância de cada vez mais estudos nesta área”, completa.
O pesquisador também é um dos
autores de outro trabalho publicado em
janeiro na revista Plant and Soil, que destaca a necessidade de
adoção de técnicas de restauração de ecossistemas que integrem abordagens
biológicas com variáveis ambientais – propriedades de ecossistemas, condições
climáticas e tipos de solo.
Liderado pelo pesquisador
Brajesh Singh, da Western Sydney University (Austrália), e com olhar global, o
estudo propõe que, para apoiar essa abordagem, haja a integração de novas
ferramentas computacionais e de satélite com potencial para facilitar a
implementação da gestão, do monitoramento e da restauração de ecossistemas.
Parceria
O professor Arthur Prudêncio de Araújo Pereira,
da UFC, destaca que os próximos passos serão desenvolvidos por meio do
projeto Caatinga Microbiome Initiative (CMI), uma iniciativa
interinstitucional, criada em 2022, que envolve mais de 20 professores e
pesquisadores do Brasil e do exterior, com o objetivo de estudar o microbioma
da Caatinga e sua relação com a saúde do solo.
“Conhecemos muito pouco sobre o
papel do microbioma de solos da Caatinga, principalmente em áreas em
desertificação. Por isso a importância da condução de experimentos no âmbito do
projeto.”
O artigo From desertification to restoration in the Brazilian semiarid region: Unveiling the potent
Luciana Constantino
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/restauracao-de-areas-degradadas-no-semiarido-promove-a-volta-de-microrganismos-do-solo-mostra-estudo/50912
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