No norte do Brasil, a “caixinha” é um investimento
informal onde participantes contribuem e o organizador faz o dinheiro crescer.
E também funciona como um tipo de empréstimo. Totalmente fora das instituições
financeiras. Feito na base da confiança e amizade.
Economia real x economia formal
A economia formal muitas vezes parece distante e
complexa para a maioria da população. No entanto, é interessante observar que,
mesmo sem compreender totalmente os conceitos tradicionais do mercado
financeiro, as pessoas desenvolvem iniciativas financeiras informais e que
esbanjam criatividade, assemelhando-se, de certa forma, às dinâmicas oficiais
de investimento.
Um exemplo notável é a prática comum no norte do
Brasil, principalmente no estado do Pará, conhecida como “caixinha”,
um tipo de investimento financeiro extra-oficial que opera à margem do mercado
de capitais, mas desfruta de grande popularidade entre os locais.
“Caixinha” - o que é e como funciona?
A “caixinha” é uma contribuição feita todos os
meses por grupos de amigos, familiares ou colegas de trabalho, na
qual os participantes podem realizar ações para aumentar a receita do grupo. O
processo geralmente envolve os participantes (cotistas), efetuando pagamentos
mensais de suas cotas e contribuindo todos os meses para a
realização de eventos que visam impulsionar a arrecadação da caixinha, como
sorteios, viagens e festas.
Adicionalmente, em muitas dessas “caixinhas”, é
encorajado que os participantes busquem empréstimos remunerados com uma
taxa de juros específica, com o objetivo de potencializar ainda mais o
rendimento do empreendimento.
As “caixinhas” são fundos de investimento informais?
A peculiaridade deste modelo está na destinação do
dinheiro, pois o organizador não apenas coleta as contribuições, mas também empreende ações
para fazer o dinheiro crescer, como a realização de sorteios, excursões, vendas
de bolos, etc.
Algo curioso de se notar é que as pessoas
buscam participar das “caixinhas” organizadas pelas pessoas com
os melhores históricos de rentabilidade e confiabilidade, assim como ocorre com
as gestoras de fundos de investimento tradicionais. Dependendo das estratégias
dos organizadores, existem caixinhas melhores e piores que outras, assim
como no universo dos fundos, das ações e dos títulos de dívidas.
Para garantir um funcionamento organizado,
a administração da caixinha deve dispor de um regulamento que estabeleça as
condições operacionais, como valores das cotas, datas de pagamento, taxa de
juros dos empréstimos, políticas para atrasos, organização de eventos e outros
aspectos relevantes.
Ao fim de cada ano, essa caixinha é aberta, e o
dinheiro é dividido como um 14º salário. O organizador recebe uma porcentagem
pela administração, acrescentando uma camada adicional de incentivo para a
gestão eficiente do fundo coletivo.
O que dizem os participantes das “caixinhas”?
Em jornais locais, é possível observar depoimentos
de participantes como os da psicóloga Cleide Nascimento, que considera as
“caixinhas” uma excelente maneira de economizar para as celebrações de final de
ano, presentes de aniversário e despesas adicionais.
Ela também destaca a utilidade de contar com a
reserva financeira no final do ano, comparando-o a um cofrinho, mas com a
vantagem de que o dinheiro não fica inativo, pois sempre passa por correções de
mercado, mesmo que modestas. Outro ponto positivo mencionado é que o retorno do
investimento ocorre com menos burocracia.
A comerciante Diva de Belém (PA), por sua vez,
afirma que organiza uma caixinha há muitos anos, e ela ajuda muito as pessoas.
Diz, ainda, que existem umas caixinhas que são melhores do que as outras, a
depender da estratégia do organizador. Com orgulho, declara que as dela têm até
briga pra entrar.
Elder, um funcionário público de 47 anos de Belém
(PA), afirmou que a caixinha é uma prática cultural na cidade. Ele mencionou
que em Belém é comum que cada empresa tenha uma caixinha em cada departamento,
e em cada rua há algum morador responsável por organizar a caixinha do bairro.
Renda passiva x renda ativa
Diferentemente dos investimentos convencionais, a
caixinha não se limita a aplicar os recursos em instrumentos financeiros
formais. Pelo contrário, o organizador busca alternativas criativas para
gerar retorno, tais como rifas, festas, viagens e outras atividades que
possibilitam arrecadar dinheiro adicional. Essa abordagem informal reflete a adaptabilidade
do sistema às necessidades e características da comunidade
local.
Cuidados necessários
Apesar da admiração por essa inovadora
iniciativa local, é crucial ter cautela para evitar que a atividade seja
considerada ilegal. Como os participantes não operam de forma paralela ao
sistema financeiro, mas utilizam-se do sistema bancário, transacionando seus
aportes pelos próprios celulares com os aplicativos das “fintechs”, a prática
ocorre dentro da lei. Mas, ainda que seja uma atividade informal, os
participantes devem tratá-la com seriedade.
O maior desafio reside na determinação da taxa de
juros, que em alguns casos, excede a praticada pela média das
instituições, podendo assim configurar agiotagem, uma infração contra a
economia popular prevista na Lei nº 1521/51. Dessa forma, recomenda-se que a
taxa esteja alinhada com a média das principais linhas de crédito do mercado
para evitar problemas legais.
Além disso, é muito importante documentar todas as
reuniões e coletar assinaturas para prevenir eventuais litígios legais,
inclusive com a contratação de um advogado em casos de falta de pagamento ou
outras irregularidades.
Criatividade gera acessibilidade
Em resumo, a prática da caixinha no norte do Brasil
destaca a capacidade das comunidades em desenvolverem soluções
financeiras criativas e adaptadas às suas necessidades, mesmo
quando distantes das formalidades da economia tradicional. É interessante notar
como a caixinha se converte em uma espécie de
microcosmo econômico, incorporando elementos do mercado oficial de forma
simplificada e acessível.
Essa iniciativa extra-oficial, embora funcione à
margem do mercado de capitais, utiliza princípios similares, como a
circulação do dinheiro, a busca por retorno e até mesmo a cobrança de juros. A
caixinha não apenas evidencia a criatividade das comunidades locais, mas também
levanta reflexões sobre a necessidade de tornar o sistema financeiro formal
mais acessível e compreensível para um público mais
amplo.
Ao compreender as práticas informais, é possível
enxergar oportunidades de integração e desenvolvimento,
promovendo uma relação mais inclusiva e equitativa entre a população e os
serviços financeiros.
João Victorino -
administrador de empresas e especialista em finanças pessoais. Com uma carreira
bem-sucedida, busca contribuir para que as pessoas melhorem suas finanças e
prosperem em seus projetos e carreiras. Para isso, idealizou e lidera o canal A
Hora do Dinheiro com conteúdo gratuito e uma linguagem simples,
objetiva e inclusiva.
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