O Brasil tem 430 mil pacientes que realizam tratamentos com medicamentos à base de Cannabis medicinal, um crescimento de 130% em relação a 2022. A estimativa, divulgada pela Kaya Mind no 2° Anuário da Cannabis Medicinal Brasil, com base em dados da Anvisa, mostra a importância do mercado de canabinóides e a necessidade de uma regulação mais assertiva.
A maior parte dos remédios vem de fora, e a importação domina 51% do mercado, que vai movimentar R$ 699 milhões até o final do ano. De acordo com o levantamento, 219 mil pacientes fazem importação de medicamentos de Cannabis no Brasil. Ainda assim, parcela significativa da população desconhece os benefícios terapêuticos do tratamento e, mais ainda, as diferenças entre os principais canabinóides disponíveis no mercado: o THC (tetrahidrocanabinol) e o CBD (cannabidiol).
Para lançar luz sobre os mitos e verdades que cercam esses compostos, Caroline Heinz, CEO da FlowerMed e da Sphera Joy, empresas especializadas na produção e no fornecimento de produtos com CBD e THC, convidou o Dr. Geovane Massa, médico neurologista especialista em Cannabis, para desmistificar o uso dessa terapia auxiliar.
O neurologista explica que a diferença entre o THC e o CBD está relacionada à estrutura química, “ambos são fitocanabinoides, mas a estrutura química faz com que a funcionalidade no corpo humano seja bastante distinta entre ambos”. O Dr. Geovane compara os componentes com um molho de chaves ou jogadores de um time de futebol.
“Cada um tem suas especificidades: o
CBD é como uma chave mestra ou um meio campista que faz gol, dá assistência e
defende bem. Ele funciona em diversos sítios da fisiologia humana e tem muitas
finalidades terapêuticas (ansiolítico, anticonvulsivante, neuroprotetor,
sedativo, anti-inflamatório, antipsicótico entre outros). Já o THC é a chave da
porta principal, ou o atacante do time, funcionando em situações mais
específicas e que exigem maiores cuidados (analgesia, antinauseante,
estimulante, orexígeno)”, explica o médico.
Mitos e verdades
da THC vs. CBD, Dr. Geovane Massa responde.
THC é apenas para recreação?
Mito: O THC vem sendo estudado clinicamente, inclusive
isoladamente, há muitas décadas. O THC é um agonista dos nossos receptores
canabinóides e na verdade é um protagonista dos efeitos terapêuticos da
Cannabis. Os produtos que contém THC funcionam, no geral, em menor dosagem e
com melhores efeitos clínicos. Ele é prescrito em muitas partes do mundo para
tratar condições como dor crônica, náusea e espasticidade muscular. Portanto,
não é estritamente para fins recreativos.
CBD não deixa você
chapado?
Verdade: O CBD tem pouca atividade psicoativa, principalmente
relacionada aos receptores canabinóides em si. Não é possível experienciar
nenhum tipo de “barato” da Cannabis com uso de CBD. Caso a dose seja muito
alta, provavelmente o usuário vai ficar sonolento apenas, mas com a consciência
preservada.
THC é perigoso e viciante?
Mito: Os principais compostos naturais da Cannabis tem alta
segurança com relação à toxicidade, sendo praticamente impossível ter uma
overdose de fitocanabinoides, entre eles o Delta-9 THC. A dependência de
Cannabis tem estatística de atingir 7% a 10% dos usuários crônicos e tem
relação com a substância do THC em si, porém essas pesquisas são relacionadas
ao uso fumado de Cannabis, no qual a dose de THC é até 20x superior às doses
utilizadas num contexto clínico. E, mesmo assim, os usuários considerados
dependentes têm alta taxa de remissão quando comparados a dependentes de
álcool, tabaco ou outras substâncias. Num ambiente de uso com acompanhamento
médico a utilização de Delta-9 THC não tem relevância estatística de
dependência.
CBD é seguro e não
viciante?
Verdade: As doses máximas testadas de CBD em humanos são muito
maiores do que as faixas de doses usualmente utilizadas na prática clínica.
Além desta segurança com relação a níveis tóxicos, os efeitos colaterais são
leves e reversíveis, permitindo o teste terapêutico na grande maioria dos
pacientes. Com relação à dependência, na verdade, o CBD é também utilizado para
tratar diversas dependências, entre elas a da própria Cannabis, especificamente
ao Delta-9 THC como explicado anteriormente.
THC e CBD são
ilegais em todos os lugares?
Mito: A grande maioria dos países já permite a utilização de
compostos de Cannabis com finalidade médica e ou o cultivo dela no país. Alguns
países, como Canadá, Uruguai, Portugal, Alemanha, Dinamarca, e Bélgica,
legalizaram completamente o uso recreativo e médico da Cannabis, enquanto
outros mantêm restrições rigorosas. Portanto, a legalidade depende da sua
localização. Os países que ainda não permitem tem na sua maioria um regime autoritário
ou ainda estão em fase de reformulação das leis.
CBD é amplamente
aceito para uso médico?
Verdade: O efeito terapêutico clínico do CBD foi o primeiro a ter
relevância e comprovação científica reconhecida nas principais revistas médicas
mundiais nas epilepsias de difícil controle em 2017. Apesar da data recente já
existem publicações nessa área desde a década de 1980, aparentemente sem
interesse da indústria farmacêutica por se tratar de composto natural.
Atualmente, estão sendo produzidas diversas pesquisas com utilização de CBD
para finalidade terapêutica além de amplo reconhecimento médico dos seus
benefícios terapêuticos em congressos e eventos de saúde.
À medida que a pesquisa sobre os canabinóides THC e
CBD continua a se expandir, é vital distinguir os mitos da realidade. Ambos têm
aplicações médicas e recreativas, mas seu uso deve ser orientado pela
informação, responsabilidade e conformidade com as leis locais, além do auxílio
médico.
O uso das substâncias extraídas da
planta Cannabis pode ser adaptado de acordo com o plano de tratamento de cada
indivíduo, levando em consideração seus objetivos, limitações e
disponibilidade.
“Por se tratar de compostos abundantes na planta Cannabis, é possível fazer extrações e diluições para serem utilizados em praticamente todas as vias de administração humana: oral, sublingual, tópica, inalatória, retal e até mesmo endovenosa, que hoje vem sendo considerada em pesquisas com pacientes em situações graves de status epiléptico, uma condição de alta mortalidade onde as crises convulsivas não cessam mesmo com todas as medicações disponíveis”, finaliza o neurologista.
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