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sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Saúde mental em tempos de guerra

 

As guerras são conflitos armados entre nações ou povos pelos mais variados motivos. As guerras impõem grandes perdas, com sofrimento e mortes, além dos danos materiais às pessoas envolvidas. A convivência com a morte e os ferimentos que poderiam ser evitados, além do medo, levam a muitas emoções como a raiva, o ódio, sentimentos de vingança e reparação. As guerras carregam sentimentos muitas vezes trazidos de gerações passadas, por conflitos anteriores ou mesmo de riscos de genocídio. Situações tão complexas levam a desejos de vingança e medo da aniquilação. As guerras trazem o que existe de pior no ser humano, quando os inimigos são nossos algozes e presas, e desejamos sua aniquilação. Perdemos nossa empatia. 

As guerras quebram as rotinas e as relações, causam desordem e insegurança. Além dos danos psicológicos, o organismo é muito sobrecarregado pelo estresse e perdas dos ritmos biológicos. A guerra exige do ser humano uma reação, por vezes ultrapassando a capacidade de algo saudável, levando ao adoecimento mental. O adoecer pode vir de várias formas e em intensidades diversas e, para alguns, inclusive, o adoecimento pode se tornar crônico, com sintomas que persistirão caso não sejam tratados. Podemos afirmar que ninguém sairá ileso de uma guerra, todos terão suas marcas. 

O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) é um quadro psiquiátrico que acontece quando uma pessoa passa por situações traumáticas, onde há riscos a integridade física ou à vida. No caso de guerras, o risco de desenvolvimento de TEPT é muito elevado, sendo que metade das pessoas que passaram por um combate podem ter desenvolvido sintomas. Em guerras onde a duração do conflito é longa, os riscos são ainda maiores. 

O TEPT se caracteriza pela presença de sintomas de revivência, evitação, hipervigilância, além de sintomas do humor e do pensamento. A revivência ocorre na forma de lembranças ou pesadelos sobre os fatos traumáticos carregados da emoção associadas à lembrança. As memórias são sofridas e vivenciadas como se as agressões estivessem acontecendo novamente. As pessoas, então, começam a evitar tudo aquilo que possa desencadear essas lembranças. Evitam lugares, pessoas e temas relacionados. 

Uma vez que a pessoa vive como se as agressões possam ocorrer novamente a qualquer momento, ela fica num estado de hipervigilância constante, o que acarreta ansiedade e insônia, de modo que viva em sobressaltos. Por fim, existem vários sintomas de pensamentos como pessimismo, culpa, amnésias, além de sintomas que lembram muito um estado depressivo, como uma anestesia afetiva. Todos estes sintomas causam muito sofrimento e incapacitação. Raramente melhoram espontaneamente e, se não forem tratados, a cronificação é certa. 

Mesmo longe do Oriente Médio, hoje, conseguimos observar em tempo real pela internet a tragédia da guerra, e com tristeza nos penalizamos com as pessoas de todas as idades, de ambos os lados, sofrendo e morrendo. Com tristeza, imaginamos que muitos já estão adoecidos, diante de tanto horror. Infelizmente, o impacto desta guerra perdurará, mesmo que os combates cessem, na mente dos envolvidos e, igualmente, para uma parcela considerável de pessoas, perdurará com muito sofrimento e prejuízos, devido a transtornos mentais. Os horrores da guerra, como a que ocorre na Faixa de Gaza, na Ucrânia ou qualquer outro conflito certamente deixa danos à saúde mental que precisam ser tratados e que levam tempo, anos, para serem trabalhados.


 

Marcelo Feijó de Melo - professor livre-docente do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp)


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