Objetivo da norma é dar mais segurança e inibir atos de abusos, como aconteceram recentemente
Ao longo dos anos
vieram a público diversos casos em que mulheres sofreram violações ao passarem
por consultas médicas ou ao submeterem-se a exames e/ou outros procedimentos
médicos.
Em 2022, um médico
anestesista em São João de Meriti (RJ) foi filmado enquanto estuprava uma
paciente durante o parto ao introduzir seu pênis em sua boca enquanto ela
estava anestesiada. No ano seguinte, um ginecologista em Goiânia foi denunciado
por diversos crimes sexuais durante o exercício de sua profissão, chegando a
pedir que as pacientes ficassem excitadas para que os exames ginecológicos
fossem realizados de maneira correta. Referido ginecologista, aliás, já havia
sido investigado (e absolvido) em 1994 pelo Conselho Regional de Medicina pelos
mesmos crimes.
Os dois casos
acima citados retratam uma realidade que acontece nos consultórios médicos
brasileiros e que, muitas vezes, passa despercebida. Podemos dizer que tal
realidade se dá diante dos baixos índices de denúncia das vítimas, que por
serem violentadas sem testemunhas para corroborar seus relatos, se sentem
desacreditadas, culpadas e até mesmo amedrontadas de relatar referidos abusos.
Assim, a Lei
17.803/2023, que entrou em vigor em 18 de outubro passado, foi pensada no
sentido de dar mais segurança às pacientes nos estabelecimentos de saúde do
Estado de São Paulo. Ela serve como prevenção a episódios de violência
sexual ocorridos contra usuárias dos serviços médicos, buscando coibir
eventuais práticas de violência, abuso ou importunação sexual ao permitir que a
mulher nomeie uma pessoa de sua livre escolha para acompanhá-la em consultas
médicas, exames e procedimentos clínicos.
A pessoa
acompanhante terá o papel de dar apoio à mulher, transmitindo uma sensação de
segurança e até mesmo inibir os atos que eventualmente o agressor possa
realizar contra a vítima, caso se encontrasse sozinha.
“A escolha de um/a
acompanhante pela mulher proporciona sensação de amparo, coragem, tranquilidade
e conforto, fazendo com que esta se sinta mais segura, especialmente na
realização de procedimentos que atinjam sua esfera de intimidade, como
ultrassons transvaginais e mamografias, por exemplo”, diz Beatriz
Vendramini Rausse, Advogada, Mestre em Direito Europeu e Sócia da Borguezi e
Vendramini Advogadas. E continua, “a nova lei tem caráter
preventivo o que é extremamente benéfico, e terá papel fundamental na redução
do número de violências, abusos ou importunações sexuais ocorridos contra
mulheres em consultas, exames e procedimentos médicos”.
Um dos maiores
ganhos que a nova lei vai trazer é fazer com que a mulher se sinta mais segura
ao procurar um serviço de saúde e que não se afaste dos cuidados com sua saúde
por medo ou receio de vir a sofrer alguma violência por parte da equipe de
saúde. Outro fator benéfico da legislação é que ela se aplica para todas as
consultas, exames e procedimentos clínicos realizados pela mulher, não sendo
necessário que haja sedação para que tenha direito a um acompanhante.
No entanto, a
especialista explica que a nova lei já nasce deficiente diante da realidade que
hoje vivenciamos. “A Lei não menciona se suas disposições se aplicam também a
mulheres trans. Para nós, frente ao princípio da isonomia, que assegura que
todas as pessoas são iguais perante a lei, não deve haver diferenciação para
aplicação da legislação entre mulheres cis e mulheres trans, sendo certo que as
mulheres trans estão expostas aos mesmos riscos de sofrerem violência, abuso ou
importunação sexual”, avalia.
Assim, apesar de
tal aplicabilidade para mulheres trans restar clara frente ao princípio
constitucional da isonomia, “vivemos em um país que ainda insiste em negar
direitos para a população trans. Uma menção explícita da legislação sobre sua
aplicabilidade também às mulheres trans poderia evitar problemas de
interpretação e negativa de direitos”, sugere a especialista.
A nova lei ainda
precisa passar por regulamentação. Dessa forma, é cedo para prever a sua
aplicabilidade prática. “São poucos os estados e municípios brasileiros que
possuem leis semelhantes. Outros sequer possuem uma regulamentação acerca do
assunto e quando a possuem, tem suas próprias especificidades. Então, em vista
a uniformizar a aplicabilidade da legislação, bem como garantir que todas as
mulheres do Brasil possuam direito a um acompanhante em suas consultas, exames e
procedimentos clínicos, é importante que haja uma legislação a nível nacional”,
conclui Rausse.
Atualmente, alguns
projetos de lei, que visam garantir esse direito às mulheres, tramitam entre a
Câmara e o Senado, mas ainda não foram concluídos.
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