Estudar a história natural dos
marimbondos é uma tarefa arriscada. Conhecidos pela agressividade, os insetos
podem tanto encher o pesquisador de picadas doloridas quanto abandonar o ninho
para começar um novo em outro lugar, inviabilizando a observação e a coleta de
dados.
Essas estratégias de sobrevivência,
porém, foram fatores que permitiram que essa tribo de vespas, conhecida como
Epiponini, evoluísse em diferentes ramos ao longo dos últimos 55 milhões de
anos, dando origem a sociedades bastante complexas em termos de construção de
ninhos, estratégias de forrageamento e, sobretudo, de interações sociais.
Estudos da década de 1970 já
mostravam que, nos marimbondos, a antiga estratégia de hierarquia de
dominância, na qual uma rainha é responsável pela reprodução – impedindo
agressivamente outras fêmeas de botarem ovos –, foi substituída pela
coexistência de rainhas que não competem pela reprodução, mas que são
eliminadas pelas operárias quando não exibem comportamentos típicos.
Por meio de investidas, exibições e
até mesmo mordidas as operárias submetem as rainhas ao seu controle. Como
consequência, apenas as reprodutoras mais aptas geram novos indivíduos para a
colônia, assegurando a sobrevivência dessas espécies.
Resultado de muitas horas de
observação e algumas picadas, um estudo assinado por pesquisadores brasileiros
conseguiu demonstrar que essa estratégia reprodutiva ocorre em toda a tribo
Epiponini. Anteriormente, poucas espécies haviam sido estudadas.
Além disso, o estudo mostra que os
comportamentos não são iguais para todas as espécies, sendo que os exibidos
pelas operárias para testar as rainhas evoluíram de comportamentos mais
agressivos para outros menos violentos e mais estereotipados.
As conclusões foram publicadas na
revista Cladistics por pesquisadores da Universidade
Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade de São Paulo (USP).
“Observamos que, nos ramos mais
recentes da filogenia [história evolutiva do grupo], as operárias e as rainhas
começaram a desenvolver comportamentos mais complexos e estereotipados,
substituindo os de morder e atacar. Além disso, as rainhas desenvolveram um
maior repertório de comportamentos para sinalizar seu potencial, evitando assim
serem eliminadas da colônia”, explica Fernando Noll, professor do
Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (Ibilce) da Unesp, em São
José do Rio Preto, e coordenador do estudo.
O trabalho integra dois projetos
apoiados pela FAPESP, “Desimpedimento taxonômico de vespas aculeadas: visões
micro e macro-regionais da fauna neotropical” e “Filogenia molecular de Epiponini e a relação entre os
gêneros basais (Hymenoptera, Vespidae)”. O primeiro é
conduzido no âmbito do Programa
BIOTA-FAPESP.
Num trabalho publicado anteriormente,
o grupo realizou a filogenia mais completa até então da tribo Epiponini, o que
permitiu avançar para resultados como os atuais. Diferentemente de outras
vespas e das abelhas, os marimbondos têm mais de uma rainha e as operárias
exercem controle sobre a produção de ovos dessas fêmeas férteis (leia mais em: agencia.fapesp.br/35495/).
Brasil e Costa Rica
Observar como se comportam os
marimbondos em seus ninhos foi tarefa de Laura Chavarría-Pizarro, à época
doutoranda na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto
(FFCLRP) da USP e bolsista da FAPESP.
Era preciso fazer uma abertura no
envelope protetor do ninho para observar o interior. Por vezes, esse tampo
retirado era substituído por um plástico vermelho, que os marimbondos não
enxergam e ainda permite serem observados.
“Levando em conta todos os testes que
fiz, além de abrir os ninhos e marcar com tinta os indivíduos [para diferenciar
rainhas de operárias], até que não me picaram muito. Além disso, usei traje de
proteção”, lembra Chavarría-Pizarro, atualmente professora na Escola de
Biologia do Instituto Tecnológico da Costa Rica, em Cartago.
Parte do trabalho de campo foi
realizado na Costa Rica, país natal da pesquisadora, onde foi possível observar
ninhos de seis das nove espécies estudadas (todos os gêneros de Epiponini,
exceto três).
No total, 15 colônias foram
analisadas, seis no Brasil e nove na Costa Rica. Foram documentados 51
comportamentos, somando ação e resposta e quem executava (rainha ou operária) e
respondia, quando acontecia. Os comportamentos foram acompanhados ao vivo ou
filmados para análise posterior.
Dança das operárias
Um dos comportamentos mais
importantes de demonstração da potencialidade das rainhas como reprodutoras é
o bending display, em que a rainha curva o abdômen em
direção à operária. Normalmente, é uma resposta ao comportamento de worker dance (“dança da operária”, numa tradução
livre), onde a trabalhadora vibra seu corpo continuamente. No caso de a rainha
não responder, ela é removida da colônia.
O estudo mostrou que o bending display surgiu há 55 milhões de anos.
Cerca de 30 milhões de anos atrás, porém, surgiu uma variação desse
comportamento, denominado bending display 2.
Nas espécies que surgiram mais recentemente, os dois tipos de bending display precisam ser realizados para garantir
a sobrevivência da rainha.
“Curiosamente, também há 30 milhões
de anos, surgiu a worker dance, o que sugere que esse
comportamento e o bending display 2 estejam
relacionados”, conta Noll.
Nos marimbondos mais antigos, em que
não há worker dance, os comportamentos de teste das operárias
são mais agressivos, como dart (“investir
com a cabeça”) e bite (morder). Estes surgiram
no ancestral comum dos Epiponini e foram substituídos mais tarde pela dança das
operárias, sugerindo que comportamentos mais agressivos deram lugar a outros
estereotipados.
No mesmo período, as rainhas
começaram a exibir um arcabouço maior de comportamentos, sugerindo maior
complexidade em suas relações. “São comportamentos mais refinados, que
provavelmente possuem vantagens em relação a toda aquela violência”, diz Noll.
“Os marimbondos são muito
importantes, já que são predadores de outros insetos e ajudam no controle de
espécies que consideramos pragas. Entender seu comportamento e estratégias
evolutivas pode permitir uma melhor convivência com eles e garantir a sua
sobrevivência”, encerra Chavarría-Pizarro.
O artigo Behavioural evolution of Neotropical social wasps (Vespidae:
Polistinae): the queen selection process pode ser lido
em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/cla.12529.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/entre-marimbondos-agressoes-fisicas-evoluiram-para-demonstracoes-estereotipadas-de-forca/42115/
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