Em uma sala de estar, um sofá de veludo verde
acolhe o casal que responde às perguntas da entrevistadora. Em nome das
leitoras de uma revista feminina, ela quer saber como ter um casamento feliz. O
ano era 1973 e Ingmar Bergman expunha aos expectadores da TV sueca a intimidade
do casamento de Marianne e Johan.
50 anos se passaram e Cenas de um Casamento mais
uma vez aparece nas telas, desta vez no streaming da HBO. Agora, porém, o sofá
de veludo verde acomoda Jonathan e Mira, cujo equilíbrio conjugal é examinado
pela estudante de doutorado interessada em como normas de gênero afetam
casamentos monogâmicos.
A adaptação produzida pelo diretor Hagai Levi traz
a relação conjugal para o século XXI. Novas normas de conduta, novos anseios...
velhas emoções? O inevitável paralelo entre as duas versões da série, separadas
por meio século de profundas transformações sociais, leva à seguinte questão:
emoções conjugais têm história?
Tomando a ficção como espelho da realidade, no
período entre as duas versões, o ideal conjugal passou da felicidade, definida
como “contentamento” para Marianne, ao “equilíbrio” na divisão de tarefas,
fundamental para Mira. Com o ideal, mudam as bases para um casamento
bem-sucedido.
Marianne acreditava que “o amor é tão raro que
quase ninguém o vivencia” e, que, portanto, “gentileza, afeto, humor, amizade e
tolerância” podem fazer um casamento feliz. Jonathan, décadas mais tarde, dirá
que “casamento é uma plataforma que permite desenvolvermos como indivíduos”.
Na versão de 1973, Johan se autodefinia como
“inteligente, bem-sucedido e sexy”, enquanto Marianne se via apenas como
“casada com Johan, com quem tinha duas filhas”. “Não consigo pensar em mais
nada”, justificava. Não surpreende que a infidelidade que pôs fim ao casamento
tenha vindo do marido.
Na série da HBO, Levi subverte a estereotípica relação
de gênero entre os binômios poder/traição e cuidado/lealdade ao fazer de sua
personagem feminina, Mira, aquela que provê e que trai. Cabe ao marido,
Jonathan, cuidar da família e ser leal ao compromisso conjugal.
Apesar da troca de scripts entre os papéis feminino
e masculino refletir as possibilidades de arranjos matrimonias atuais, a
estrutura dos binômios permanece intacta. Isto é, quem trai é quem tem poder e
quem cuida permanece leal. Será sempre assim?
Até que ponto emoções como amor, orgulho, compaixão
e lealdade interagem entre si? Essas emoções se transformam ao longo do tempo?
Este é o tipo de pergunta que historiadores apenas começam a formular, mas que
já apontam o potencial da História das Emoções para lançar luz sobre os dramas
contemporâneos.
“Vejo pessoas que desabam sob o peso de exigências
emocionais fantasiosas”, lamentava Mira. Talvez o fardo se torne mais leve
quando os casais descobrirem que não o carregam sozinhos. Exigências emocionais
tendem a ser coletivas, já que respondem ao contexto histórico das experiências
individuais.
Aprender sobre como as emoções conjugais se
transformaram nos ajuda a entender os desafios e alegrias do casamento do
presente.
Marcia
Esteves Agostinho - autora do livro “Por que
casamos” (Editora Almedina, 2023)
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